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"Mago", Jeff Mills ultrapassa limites da dance music
THIAGO NEY
DA REDAÇÃO
No mundo da música eletrônica
e dos superstars DJs, superlativos
são comuns: o mais popular, o
melhor, o mais viajado. Pois, se há
um nome que por direito pode ser
acompanhado de tais termos, este
responde por Jeff Mills.
Nos anos 80, comandava um
programa de rádio em Detroit em
que abria espaço para artistas de
electro, rap e "Detroit tecno" e para ele mesmo, que começava a
produzir. A música de Mills nunca tendeu para o fácil, para o comercial. Havia elementos de jazz,
house e soul, que hoje dá para ser
rotulada por "Jeff Mills tecno"
-não é à toa que um de seus apelidos é "o mago".
No final dos 80, criou com o colega Mike Banks o Underground
Resistance, coletivo militante que
tinha (tem) por missão levar a eletrônica sempre adiante e de forma
independente, que produziu clássicos como "The Final Frontier" e
"Hi-Tech Jazz".
Mills deixou o grupo em 1991,
mas continuou na ponta.
Hoje, aos 41 anos, prestes a se
apresentar no Brasil pela terceira
vez, no Nokia Trends Sónar
Sound, em setembro, ele inova ao
utilizar em seus sets um aparelho
de DVD em que mixa a música
com imagens num telão.
De Chicago, por telefone, Jeff
Mills falou à Folha.
Folha - No futuro você prefere ser
lembrado como produtor ou DJ?
Jeff Mills - Gosto mais de produzir do que de atuar como DJ, acho
mais interessante, então escolheria ser lembrado como produtor.
Folha - Você já chegou a dizer que a expressão "dance music" é muito limitadora. Por quê?
Mills - Muito do que
é feito sob esse rótulo
é feito, obviamente,
para as pessoas dançarem, é produzido
sob certas circunstâncias. Acho limitador sob o aspecto do
público, que talvez
não consiga entender
e reagir àquilo; quando um DJ toca para
pessoas que não conseguem ou não querem dançar. Sempre
achei que música eletrônica é muito mais
bem produzida e
apreciada quando
não está focada apenas na pista de dança,
mas, sim, no ouvido. A mensagem é mais expressiva quando
você compõe para a mente, e não
para o corpo.
Folha - Você está tocando com um
aparelho em que mixa a música
com imagens de um telão. Por que
isso? Vai usar no Brasil?
Mills - Sim, usarei no Brasil.
Com essa máquina, é possível
acrescentar algo, dar mais significado ao que toco. Hoje em dia é
difícil entenderem o que um compositor tenta passar, pois as músicas têm se tornado tão minimalistas, tão quebradas... Mas em cada
composição há uma mensagem e,
com essa tecnologia, há como
provocar os sentidos do público.
Folha - Você acha que dance music é música escapista, em que se
ouve apenas para diversão?
Mills - Há esse lado também, claro. Mas há muita música eletrônica composta em outra direção,
oposta ao padrão "pista de dança
alegre". Mas acho que estamos falando de eletrônica feita sob a
perspectiva de arte.
Folha - Sua música é muitas vezes
descrita como "minimal" ou "quase hard". Como a descreveria? É
certo dizer que é "Jeff Mills tecno"?
Mills - Minha música é "hard"
apenas quando há uma idéia por
trás que exige essa agressividade.
Mas há muitas outras idéias que
trazem um conceito mais sutil, orgânico. E, se você olhar para o que
eu já fiz, há um monte de exemplos de diferentes tipos de canções, coisas dark, bizarras, abstratas.
Folha - Você fez uma trilha sonora
para "Metrópolis", de Fritz Lang,
para "A Máquina do Tempo", o livro de H.G. Wells, e "sonorizou" um
filme de Buster Keaton ("The Three
Ages", de 1923)...
Mills - Animação, ficção científica e fantasia são coisas que me interessam desde criança. Agora estou numa posição em que posso
me dedicar a coisas que realmente
gosto. Muitas músicas minhas são
baseadas em ficção científica.
Folha - Parece estranho incluir
tecno em filme de Buster Keaton...
Mills - Levou um tempo para
descobrir qual direção seria a melhor. Nunca tive experiência com
comédia. A primeira idéia era
compor uma trilha que funcionasse como um grupo de nuvens
no céu, que fosse seguindo e mudando. Mas depois comecei a
compor por partes e acabou saindo, não sei, tecno-jazz, talvez. Não
é fácil para mim classificar o que
saiu dali. Mas é
bem jovial.
Folha - Nos seus
sets você costuma
utilizar montes de
discos e partes de
músicas. Por que
você não gosta de
apenas deixar uma
canção tocando?
Mills - Porque
muitas músicas eu
toco apenas por
causa de pequenas
partes que estão
ali. E muitas faixas
apenas ficam se repetindo após dois
ou três minutos,
não progridem;
não há necessidade de tocá-las do
início ao fim. Trato meus discos
mais como um
meio de exprimir
uma idéia do que como uma música em si.
Folha - Você usa softwares para
produzir ou apenas sintetizadores?
Mills - Uso apenas máquinas.
Sem softwares, sem computadores. Acho que tenho mais sucesso
em imprimir uma personalidade
à música se tenho menos instrumentos para me acomodar. Se
usar um computador ou um software que deixa o processo mais
simples, tenho a impressão de que
estou trapaceando.
Folha - Você fez história quando
criou o grupo Underground Resistance. Olhando para trás, como você vê a importância do projeto?
Mills - Aquela foi uma época
muito produtiva. Aprendi muito
trabalhando com Mike Banks e
Robert Hood. Éramos muito ambiciosos e otimistas em relação às
possibilidades da música eletrônica. Tentávamos levá-la para um
nível acima, sempre.
Folha - O que você acha da cultura dos "superstars DJs"? Muita gente diz que isso estaria acabando
com a dance music.
Mills - Acho que isso é como
uma moda, uma fase passageira.
Isso tem decaído bastante. Por
um lado, foi saudável, pois nos
possibilitou saber até que ponto
poderíamos chegar. Mas, ao mesmo tempo, um DJ não é obrigado
a seguir essa direção; pode permanecer com os pés no chão. Mas
isso não está acabando com a
dance music, está acabando apenas com uma moda.
Folha - Você usa internet para
comprar ou baixar música?
Mills - Eu nunca baixei música
na minha vida. Acho que assim eu
contribuo com a carreira de vários artistas. Acho que é difícil para quem baixa música entender
que há muitas pessoas sofrendo
com esse tipo de situação.
As majors funcionam como
bancos, são poderosas, então, se
você olhar por esse lado, você
acha que a indústria fonográfica é
poderosa e que não será afetada.
Mas a realidade é que as gravadoras independentes sofrem dez vezes mais. Quando você vai a uma
loja à procura de, não sei, Britney
Spears, há uma grande chance de
você trombar com um artista desconhecido, se interessar e comprar o disco. Essa situação tem sido muito afetada. Além disso, há
os distribuidores e os lojistas independentes, que não conseguirão competir num mercado em
que milhões de pessoas estão baixando músicas de graça. É difícil
entender porque isso é um fator
novo, nunca aconteceu antes.
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