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MÚSICA
Músico inglês se apresenta em SP comandando uma big band de jazz
Matthew Herbert fala de política e eletrônica
GUILHERME WERNECK
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
Matthew Herbert, 32, faz em
São Paulo, na abertura da versão
brasileira do festival eletrônico
Sónar, o que diz ser o último show
com a sua big band de jazz.
Encarnado personas diferentes
-Doctor Rockit, Wishmoutain e
Radioboy - até assumir o próprio nome, Herbert é um dos responsáveis por produzir, desde
meados da década de 90, uma
música eletrônica criativa, baseada na house, no electro e no jazz.
Dos discos de house de Dr. Rockit ao libelo contra as marcas globalizadas do disco "The Mechanics of Destruction", lançado sob
o nome de Radioboy e disponível
de graça na internet, Herbert
sempre se preocupou em apresentar uma produção eletrônica
original e, mesmo que de forma
pouco óbvia, política.
Essa busca por originalidade o
levou a criar o manifesto PCCOM
(Contrato Pessoal para a Composição de Música, na sigla em inglês), que, entre outras coisas, não
admite o uso de samples de músicas preexistentes e de baterias eletrônicas, e é a chave para entender
a dinâmica de sua produção.
Com a Matthew Herbert Big
Band, que gravou o álbum
"Goodbye Swingtime" no ano
passado, a sua fonte de samples é
toda uma orquestra composta
por alguns dos melhores músicos
de jazz britânicos, que ele manipula em tempo real.
Leia trechos da entrevista que
Herbert concedeu à Folha por telefone, de Londres, e em que ele
fala da big band e de suas idéias
sobre música eletrônica e política.
Folha - Você tem tocado o repertório de "Goodbye Swingtime" há
quase dois anos. O que mudou no
som da big band nesse tempo?
Matthew Herbert - O som ficou
quase irreconhecível. Quando fomos para o estúdio os músicos
nunca tinham visto a música antes. Nós tocamos duas vezes e depois já gravamos. E, claro, agora
eles já tocaram umas cem vezes e
a música sai bem diferente. Eles
entendem que algumas partes
têm de ser realmente desagradáveis e que outras têm de ser muito
bonitas. Há muito mais controle e
confiança agora. O disco é tímido
se comparado ao som da banda.
Folha - Tocar com uma banda é
uma forma de resolver um problema da música eletrônica, que é
uma apresentação estática do artista com suas máquinas?
Herbert - Sim. Para mim é uma
libertação. Eu gosto do fato de que
é um show de eletrônica, mas que,
se faltasse energia, nós poderíamos continuar tocando. É uma
coisa estúpida de dizer, mas, em
um certo sentido, numa apresentação eletrônica você se sente menos músico, como estivesse trapaceando. Não acredito que seja
correto dizer isso em termos de
composição, mas, ao vivo, eu sinto que num monte de performances eletrônicas há trapaça mesmo,
porque boa parte do som está estabelecida dias antes do show. É
por isso que eu trabalho sampleando em tempo real, porque
eu não consigo prever o que vai
acontecer durante a noite.
Folha - No seu site é possível ver
os custos da Guerra do Iraque em
tempo real. Desde o princípio você
se opôs à guerra e à política externa de Tony Blair. Você pensa que
esse tipo de oposição é eficaz?
Herbert - Eu penso muito que
quando você participa de uma comunidade artística, se quiser, você adiciona a sua voz ao descontentamento político. Se um jornalista escreve um artigo sobre o fato de que a guerra é ilegal, isso não
não pára a guerra. Eu se eu escrevo uma canção dizendo que a
guerra é ilegal, ela também não
pára a guerra. Mas quando você
combina uma música, um livro,
um comentário no rádio, você se
torna mais uma voz e deixa claro
que você é parte de uma filosofia
maior, segundo a qual é errado
começar uma guerra. Eu acho
que, se você tem uma voz pública
e se posiciona com paixão em relação a determinado assunto, você não tem outra alternativa a não
ser achar um jeito de se expressar.
Folha - Você pensa que a política
externa de Tony Blair e o fato de ele
ter se mostrado submisso a George
W. Bush desapontou os ingleses?
Herbert - Eu devo dizer que eu
estou desapontado com ele no nível humano. Porque ele é um primeiro-ministro muito cristão e
fala muito sobre moralidade nos
mesmos termos que Bush o faz.
Usar essa religiosidade e esse moralismo para dar suporte a uma
guerra que vem sendo criticada
em todo o mundo é uma situação
muito peculiar, horrorosa. Eu
certamente penso que um primeiro-ministro de esquerda ser o
melhor amigo do presidente que
está mais à direita no mundo é
muito estranho. E me impressiona o quanto Bush é radical na direção errada. Mesmo assim,
usando a lógica, eu prefiro ele a
Bill Clinton, porque Bush é claramente um alvo mais óbvio. Clinton fez coisas muito parecidas
com as que o Bush faz, mas de um
modo mais camuflado.
Folha - Você estava em Nova York
no 11 de Setembro e gravou as reações das pessoas. Por que você
nunca usou esse material?
Herbert - Foi porque eu achei
que eu iria morrer e as gravações
eram realmente confusas. Havia o
som das torres caindo e o o som
das pessoas enlouquecendo.
Acho que deve haver uma razão
para você ordenar esses sons e organizar isso em música. Tem de
haver um motivo e uma estrutura
que levem a utilizar essas coisas.
Eu cheguei a pensar em usá-los
no aniversário dos ataques.
Folha - Eles não são mórbidos?
Herbert - Eles são, é muito estranho. Para ser muito honesto, eu
não quero amplificar a tragédia
ainda mais. Há mais civis mortos
no Iraque nos últimos seis meses
do que os mortos no 11 de Setembro. Não quero que pensem que a
morte de pessoas no Iraque ou no
Afeganistão é uma tragédia menor. Acho que George W. Bush e
os terroristas são ambos expressões do mal. E eu não quero amplificar ou participar do processo
de fazer dessas pessoas santos ou
mártires. Acho que uma vida no
Iraque vale o mesmo que uma vida em Nova York. E preciso achar
um modo de expressar que esse
episódio foi apenas trágico.
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