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CRÍTICA
A bunda metalingüística de "Celebridade"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando havia arte, se dizia
que, vez por outra, a vida a
imitava, mas, nos tempos que
correm, a vida tem imitado é a
TV mesmo. E, o que é pior, naquilo que ela (a TV) tem de mais
artificial e cretino.
Nesta semana, um pequeno experimento metalingüístico da
novela "Celebridade" mostrou,
além da bunda de Juliana Paes
em toda a sua exuberância, muitas outras coisas interessantes e
iluminadoras sobre as relações
entre a ficção, o marketing e a vida, digamos, real.
Recapitulando, no novelão das
oito, a atriz interpreta Jaqueline
Joy, uma manicure que galgou
rapidamente os degraus da fama
e agora vê seu status de celebridade ameaçado pelo namorado e
pela melhor amiga.
Num esforço de recuperar o
terreno perdido, seu agente Nelito (vivido por Taumaturgo Ferreira) arma um assalto na praia e
chama a "imprensa" para flagrar
a nudez da moça. (Aliás, é o segundo falso assalto na praia de
"Celebridade". Além de ser repetitiva, a piada é de mau gosto e
sem graça, lembrando que a novela se passa no Rio de Janeiro.)
No dia seguinte, decepção:
uma única fotografia, pequena e
escondida, é o que rende o golpe
de marketing. O tiro sai pela culatra, e o exibicionismo desmedido é punido com o silêncio e a indiferença.
Isso na ficção. Na vida, digamos, real, o negócio foi bem melhor. A armação da trama transmuta-se em um daqueles factóides amplamente anunciados, divulgados e de repercussão mais
do que garantida.
O truque, ao que parece, veio
mesmo para ficar: mesmo que a
novela esteja indo bem de público, às tantas, inventa-se uma cena de impacto, em geral com
uma relação apenas tangencial
com a trama, de forma que se eleve ainda um pouco mais a quantidade de aparelhos ligados na
emissora.
Para a Rede Globo, a anunciadíssima exibição das nádegas da
moça levantou a audiência média para 51 pontos do Ibope. Não
chegou a ser tão impressionante
quanto os picos de 58 pontos
conquistados no capítulo em que
Maria Clara (Malu Mader) desancou Laura (Cláudia Abreu),
mas, ainda assim, foi suficiente
para render notinhas e fotos, antes e depois, e manter as atenções
voltadas para a novela.
Para a dona das nádegas, a visibilidade conferida pelo episódio
evidentemente não é de jogar fora. Juliana é a bola da vez no circo
das vaidades: capa da edição de
maio da "Playboy", contrato recente como garota-propaganda
de uma marca de cerveja, estrela
global em movimento ascendente etc. etc.
Ou seja, na ficção, o episódio
pode ter um desfecho moral em
que o tiro sai pela culatra. Já aqui
fora, sem um autor para reparar
os desvios do mundo, são outros
quinhentos. O engodo vence, as
caixas registradoras tilintam e o
espectador, goste ou não, segue
sendo submetido aos caprichos
do deus marketing.
biabramo.tv@uol.com.br
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