São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004 |
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A convite da Folha, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles, Bruno Barreto, Karim Aïnouz e Erik Rocha debateram no Festival de Cannes 5 vezes cinema
SÉRGIO DÁVILA Folha - Há dois meses, "Cidade de
Deus" concorreu a quatro Oscar;
agora, dois brasileiros competem
pela Palma e o cinema novo ganha
homenagem. O país está na moda
no mundo cinematográfico? Bruno Barreto - O mais relevante
é a importância dada ao cinema
latino-americano e a importância
que o cinema brasileiro tem no cinema latino-americano. E a integração desse cinema, porque eu
cresci perguntando isso. A gente
nunca via os filmes argentinos, os
mexicanos, eles também não
viam os nossos filmes. Agora é
que está começando a acontecer. Nelson Pereira dos Santos - É
uma beleza saber que não estamos sozinhos. A divisão política
que inventaram para a América
Latina é completamente artificial.
Os nossos povos são tão próximos, tão parecidos, e o filme do
Walter dá essa dimensão. Barreto - Será que o filme do
Walter é o princípio do fim do
Tratado de Tordesilhas cultural? Santos - Talvez, talvez. Esse encontro lembra os anos 60, aquela
eclosão que foi o cinema novo, a
figura de Glauber, o revolucionário diretor de cinema, o homem
que liderava a cultura brasileira,
cuja herança ainda está indo na
frente da gente. É preciso pensar
mais e lembrar mais do Glauber. Walter Salles - Uma cinematografia só se torna realmente forte
se, de um lado, você tem os mestres filmando e, do outro, os jovens oxigenando esse cinema
com primeiros filmes radicais,
que põem em questão a gramática
cinematográfica, a maneira de
narrar uma história. Hoje, tanto
os jovens cineastas quanto os nossos mestres demoram a filmar, se
chocam com um modelo de produção que não permite que a nossa cinematografia seja mais expressiva do que ela é hoje. Folha - Há algo em comum no cinema de vocês cinco, além do fato
de terem nascido no mesmo país? Karim Aïnouz - São filmes absolutamente diferentes, mas que
têm um borbulhar que é muito
bacana no cinema brasileiro, porque é absolutamente diverso,
mas, ao mesmo tempo, a intercessão se dá justamente na procura
de uma voz que, graças a Deus,
nunca foi cristalizada. Rocha - Tem a ver com a influência, também. Minha geração tem
um bombardeio de influências,
um caldeirão de influências. E a
gente está absorvendo tudo, a publicidade, o videoclipe ou até o cinema americano, por que não? Barreto - Mas existe, sim, um denominador comum entre os filmes brasileiros, que é como olhamos os personagens. As narrativas são completamente diferentes, mas existe o afeto, não-paternalizante, um afeto que também é
duro. Ontem, revendo a primeira
hora de "Vidas Secas", vi um
grande senso de humor, que não
lembrava que tinha, quando a Vitória vai e mata aquele papagaio
que fica ali enchendo o saco... Santos - Como a ave nem sabia
falar, mata-se e come-se. [Risos] Barreto - "Vidas Secas" é considerado um filme "neo-realista",
mas aquele senso de humor não
tinha nos neo-realistas, não é? Estou numa posição curiosa aqui,
porque eu me sinto um pouco filho do Glauber também, porque
ele morou na minha casa quando
acabou de fazer "Deus e o Diabo",
e eu fui ver muitos filmes pela primeira vez levado por ele. Então
vejo nos meus filmes o gosto pelo
espetáculo, que vem dele. Santos - Tem uma coisa: o cinema novo não foi um movimento
homogêneo. Éramos 15, entre
realizadores e críticos. Era um cinema de autor, mas um cinema
autoritário, também. Mas foi o último movimento do modernismo. Quer dizer, ninguém é filho
de ninguém, mas também ninguém nasceu sozinho. Folha - Entre os dez filmes mais
vistos desde a retomada, a maioria
é da Globo Filmes ou sobre programas de TV. A televisão é fundamental na indústria do cinema? Folha - Discutíamos a relação TV-cinema. Como é na Argentina? Folha - Discutíamos também se o
cinema brasileiro tem um rosto. Martel - O argentino, não. Isso é
uma bobagem inventada pela imprensa. Meu cinema é diferente,
por exemplo, do feito em Buenos
Aires, que é diferente entre si. |
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