|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DVD/LANÇAMENTO
Coleção abarca pelotão de frente do cinema francês
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
O lançamento marca, antes de tudo, a estréia de um
novo selo: o Magnus Opus larga,
amanhã, nas pistas do ainda incipiente mercado brasileiro de
DVDs, no ritmo (diligente) do pacote "Tour de France". Uma
"Volta da França" que traz o pelotão de frente do cinema francês da
primeira metade do século 20
(com exceção dos hors-concours
Abel Gance e Jean Renoir) às voltas com a (suposta) essência da
arte cinematográfica.
Essência que, no caso de Jean
Epstein, por exemplo, se confunde com a própria noção de modernidade. Em "A Queda da Casa
de Usher" (1928), partindo de um
clássico de Edgar Allan Poe, ele
contempla a história do aristocrata que aprisiona em um retrato a
vida da mulher. A metáfora da
pintura como embalsamamento,
como forma de exorcizar o tempo. O cinema, para Epstein, era a
antítese disso: antes de tudo um
teórico, via sua essência na "fotogenia do imponderável".
Um instante sensório e seu esvaecimento igualmente potente: o
conceito de Epstein se associa à
própria experiência temporal da
modernidade, ao "esvaziamento
do presente" que nela diagnosticou a filosofia. O problema é que,
para traduzir sua teoria, o cineasta, como era comum aos vanguardistas, apostou alto demais nos
efeitos de trucagem. Hoje, essa
mania parece ter sobrevivido melhor em filmes cujas trucagens foram usadas de forma mais despretensiosa, a exemplo do clássico dadaísta "Entr'acte" (1924).
Aqui nosso "tour" ganha ares de
corrida maluca. Concebido como
um "entreato para as imbecilidades cotidianas e a vida monótona" por celebridades modernistas como Francis Picabia, Erik
Satie, Marcel Duchamp e Man
Ray, "Entr'acte" fez sua conturbada sessão de estréia no
intervalo de uma apresentação de balé. Sessão relatada, em entrevista que
vem de bônus no DVD,
pela zelosa viúva de René
Clair, o diretor do filme
-mas o bônus mais precioso é "Guernica", curta
de Alain Resnais que
acompanha o longa em que
Henri Clouzot tenta apreender o virtuosismo de Picasso
("O Mistério de Picasso").
Assim como Epstein, Clair
chorou a morte do cinema mudo, mas continuou trabalhando.
Sofreu para se adaptar à era do falado, porque não tinha aptidão
para dirigir atores e dar profundidade psicológica aos personagens, mas soube investir em
suas próprias limitações.
Continuou influente -seu
"A Nós a Liberdade"
(1931) foi referência para
o Chaplin de "Tempos
Modernos" (1936)-,
mas viu sua aura de
maior diretor francês
ser apagada.
Em dimensão inversamente proporcional,
cresceu a lenda Vigo.
Mito que um brasileiro
ajudou a construir, Paulo Emílio Salles Gomes e
sua clássica biografia
"Jean Vigo". Jovem cinéfilo, órfão de um jornalista
anarquista misteriosamente
assassinado, Vigo sobrevive à
infância para dedicar a vida (curta e febril) ao cinema. Sua morte
projeta o mito do "enfant terrible"
para a geração nouvelle vague. A
tal ponto que a biografia de François Truffaut sairia em vários aspectos (de percurso e mesmo de
estilo) parecida com a de Vigo.
"O Atalante" (1934), seu único
longa, está hoje para o cinema
francês assim como "Bateau Ivre"
de Rimbaud está para a poesia,
mas, em sua época, foi incompreendido. O mesmo aconteceu
com "As Damas do Bois de Boulogne" (1944), última parada de
nosso "tour". Fracasso estrondoso em seu tempo, inaugurou, pelo
rigor e o despojamento do estilo
de Robert Bresson, uma nova era,
a de uma modernidade madura.
TOUR DE FRANCE. Coleção em três
edições (azul, vermelha e branca), à
venda a azul e a vermelha. Lançamento:
Magnus Opus (www.magnusopusdvd.com.br). Quanto: R$ 180 (cada caixa).
Texto Anterior: Lars von Trier antecipa Dogma em "O Reino" Próximo Texto: Mídia: Seinfeld encontra o Super-Homem na net Índice
|