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CRÍTICA
Entrevistas mostram hipocrisia do showbiz
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Marília Gabriela entrevista Sandy, no "De Frente
com Gabi". Pergunta: "O que é
[ênfase no "é", seguida de pausa]
ser famosa desde os seis anos de
idade?". E Sandy solta lá o repertório ensaiado de "sinceridade":
"Na verdade, sempre sonhamos
com isso... Já estávamos acostumados... Nunca soubemos como
é uma vida normal, portanto não
sentimos falta...". Gabi aceita:
não retruca, não pressiona, não
contesta; o programa deve prosseguir. E prossegue.
Gabi entrevista Júnior. Pergunta: "Você joga futebol? É perna-de-pau ou é bom?". E lá vai o Júnior contar sobre estrelas da seleção brasileira como Denílson,
Roberto Carlos. Ele diz, sorrindo
muito: "Naquele dia, eu joguei
bem e, no dia seguinte, encontrei
o Denílson num programa de TV
e ele disse que eu jogava um bolão etc.". Gabi observa: "Você é
metido, hein?", ao que Júnior
sorri mais ainda e, tentando se
justificar, explica: "É que naquele
dia eu estava bem". Gabi tenta a
piada, a provocação, mas a isca
fica no ar.
Eles têm um novo CD, "Identidade", e lançam um filme, "Acquaria", e é por isso que estão ali,
diante das câmeras, diante de
Gabi. Que usa sua proverbial
simpatia intimidatória, suas habilidades (que não são poucas)
de entrevistadora, mas não arranca nada de Sandy, nem de Júnior, além daquilo que já se sabia
anteriormente. Que ela é uma
moça boa, empenhada sinceramente em se tornar uma cantora,
depois de ser por anos uma máquina de fazer dinheiro. Que ele
se ressente um pouquinho de estar à sombra da irmã mais talentosa, mas resolveu isso virando
uma espécie de músico. Que eles,
apesar de tudo, são pessoas normais e sinceras.
Num ambiente profundamente midiatizado, ninguém mais é
surpreendido por nada. A entrevistadora -na verdade, qualquer um que esteja em posição
semelhante- sabe o que esperar, assim como os entrevistados.
Por sua vez, eles já vão com uma
espécie de script mental, preparados de antemão até mesmo para os assuntos considerados espinhosos. A audiência, então, engole tudo, as mesmas histórias de
sempre, os mesmos falsos confrontos, o acordo tácito de hipocrisia que está implícito nessa relação. Sandy, pela enésima vez:
"Não sou uma santinha, não entendo por que só me perguntam
sobre a virgindade". (Não? E não
foi essa uma peça promocional
cuidadosamente burilada alguns
anos atrás?)
O mais assustador parece ser o
fato de que ninguém está, de fato,
mentindo, só obedecendo à implacável lógica do showbiz. No
novo mundo do entretenimento,
rigidamente controlado por estratégias de marketing, os discursos, tanto do lado dos entrevistados quanto do lado daqueles que
entrevistam, estão dominados
pela eterna repetição de temas e
de falas. E os programas de entrevistas acabam sendo a ante-sala
do tédio absoluto.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
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