|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÔNICA BERGAMO
O socorro luxuoso dos estilistas
Quem entra no ateliê de Alexandre Herchcovitch, nos
fundos de sua loja em São
Paulo, encontra junto às roupas
mais inventivas da coleção um
papelzinho escrito a mão: "Peças do Wagner". Wagner Marquette é o segredo mais bem
guardado do estilista. O modelista, profissional que transpõe
os desenhos planos para o mundo tridimensional, trabalha
com ele desde que a marca foi
criada, há dez anos. Detalhe:
Marquette mora em Nova Friburgo, no Rio, é funcionário da
fábrica de lingeries Triumph e
vem todo fim de semana para
São Paulo.
Herchcovitch, 32, explica a razão do trabalho longevo de
Marquette: "A modelagem é tão
importante quanto a criação.
Eles se completam. Com o Wagner, aprendi a ser ainda mais detalhista, aprendi detalhes de
anatomia e conheci novos acabamentos de alta-costura porque a mãe dele fazia roupas de
festa", diz. Marquette cuida do
supra-sumo de Herchcovitch:
modela cerca de dez das 250 peças que compõem cada coleção.
Todo estilista tem o seu Marquette. Seja modelista ou costureira, essa espécie de imediato é
o auxiliar que resolve os imbróglios da criação quando tudo
parece perdido.
Pão de queijo e roseira
No caso do estilista mineiro
Ronaldo Fraga, 35, a costureira
Nilza Vilela, que o acompanha
desde 1989, foi decisiva na criação de seu estilo, segundo ele:
"Ela me recebe com pão de
queijo, biscoito e bolo numa casa com pé de manga e roseira.
Isso foi fundamental para a minha formação e para a identidade do meu produto. Persigo
uma ancestralidade nas roupas
que vem da mão de mulheres
como a dona Nilza".
As costuras aparentes que viraram uma das marcas de Fraga
também têm origem nas mãos
da costureira, segundo o estilista. "As peças que ela faz são tão
bem acabadas que dá vontade
de usar no avesso. Era o que eu
fazia com as roupas dela."
Karla Girotto, 26, conta que o
encontro da costureira boliviana Lucila, que fazia vestidos de
noiva em São Paulo, teve um
impacto na sua criação. "Uso
muito essa técnica artesanal que
vem das roupas de noiva. Quando eu não tinha a Lucila, era
uma loucura. Cada peça ficava
de um jeito. Ela me ensinou
muita coisa sobre montagem."
Neve no Rio de Janeiro
Oskar Metsavaht, 42, um médico especializado em medicina
esportiva que se reinventou como estilista ao criar a Osklen em
1988, aprendeu bem mais com a
costureira e modelista Lúcia
Vieira Ribeiro. "Foi ela quem
me ensinou a fazer casacos de
neve. Eu sabia muito bem o que
eu queria: um casaco que
aguentasse nevascas de menos
20 graus. Mas não sabia como
fazer isso. Como não estudei
moda, aprendi a técnica de costura com ela."
Mais antiga dos 270 funcionários da Osklen, ela hoje cuida
das peças-piloto da marca, que
são enviadas a 20 ateliês independentes de costura, responsáveis pela confecção.
Lúcia vê com ironia o fato de
criar roupas para neve em São
Cristóvão, bairro da zona norte
do Rio de Janeiro onde o termômetro no verão passa dos 40
graus. "É engraçado e às vezes
muito inconveniente. A roupa é
pesada, quente. Mas gosto porque é um desafio. Só nós fazemos esse tipo de roupa por
aqui."
bergamo@folhasp.com.br
MARIO CESAR CARVALHO (interino) com CLEO GUIMARÃES E ALVARO LEME
RONALDO FRAGA & DONA NILZA
Nilza Vilela nasceu na roça em Bambuí, uma cidade do interior mineiro com pouco mais de 20 mil habitantes, a 220 km de Belo Horizonte. Trabalha desde os 13 dos seus 66 anos, diz não saber "conversar muito bem", mas não tem preconceito. "Aceito tudo. Assim a gente sofre menos." Camisetas com peitos estampados? "Tudo bem." Transparências? "Acho lindo." "Dona" Nilza, como é conhecida, diz que só se assustou com as roupas de Ronaldo Fraga no começo. "Era muita doideira para uma mulher do interior. Mas agora eu gosto das maluquices que ele faz. Já tirei até retrato com peruca de Bombril junto com o Ronaldo."
A peça predileta dela é um colete de tela repleto de balões amarelos de borracha. "Ficou muito bonito, muito maleável. No corpo, parecia uma galinha cheia de pena. Uma beleza." Roupas do Ronaldo, ela diz usar, mas "não as tão doidonas". "Não dou conta. Uso vestido soltinho porque sou cheinha. Ele me dá." Quem adora as peças mais inventivas do estilista, segundo ela, são os seus filhos. "Quando não podem comprar, eles fazem igual", revela.
HERCHCOVITCH & WAGNER
Wagner Marquette, 40, é um
modelista sofisticado. "Trabalho com desconstrutivismo, um
termo que veio da engenharia
para a moda", explica, referindo-se à tendência de descontruir as proporções clássicas das
roupas. Wagner é tão obcecado
pelo seu trabalho com Alexandre Herchcovitch que acredita
ser um duplo do estilista na produção: "Eu sou os olhos do Alexandre. Sei como ele vive, do
que ele gosta, e levo esse gosto
para as roupas".
Uma das coisas de que Herchcovitch mais gosta, segundo ele,
é buscar novas técnicas de modelagem. Marquette diz que o
estilista foi o primeiro no Brasil
a criar vestidos em que o busto
não tem pregas na lateral, mas o
pano é moldado como se fosse
uma escultura. "É o encaixe perfeito. Não gosto de ficar divulgando isso, mas criamos muitas
técnicas novas aqui", afirma.
Curiosamente, é o antípoda
visual da moda inventiva que
ajuda a criar. Veste-se sempre,
diz, de jeans ("alguns do Alexandre"), pólo Lacoste e tênis.
OSKAR & DONA LÚCIA
Modelista da Osklen, Lúcia
Vieira Ribeiro, 51, criou uma
improvável ponte entre São
Cristóvão, na zona norte do Rio,
e o Alasca, o gélido Estado americano onde os casacos que ela faz são usados. "Não deixa de
ser uma arte que uma roupa feita em São Cristóvão aguente nevascas", elogia Oskar Metsavaht, dono da marca.
Ponte mais difícil é fazer a roupa cruzar as fronteiras sociais.
"Compro Osklen para minhas
filhas, tenho 40% de desconto,
mas mesmo assim é caro", conta ela, que ganha o equivalente a
cinco salários mínimos ("não
tenho do que reclamar"). Após
refletir alguns segundos, ela retifica: "Não é a peça que é cara. É
a gente que ganha pouco."
KARLA & LUCILA
Lucila, 32, é uma espécie de
costureira dos sonhos de qualquer estilista. Formou-se na Bolívia numa escola famosa por
exportar alfaiates. Há um ano e
meio em São Paulo, onde tenta
legalizar sua situação como imigrante (por isso ela não revela o
seu sobrenome), aprimorou
seus conhecimentos de bordados fazendo vestidos de noiva.
"Ela tem uma técnica artesanal
rara", diz Karla Girotto. A costureira também elogia a estilista:
"Ela tem um estilo futurista e
não copia". Só que Lucila não
usaria a maioria das roupas de
Karla. "Sou adventista, e algumas peças mostram mais do
que deveriam." Karla não vê
problemas na restrição -faria
uma roupa para ela ir à igreja.
Texto Anterior: Comentário: Montezuma era um cara mais do que feliz Próximo Texto: Livros: Direita, volver Treason Índice
|