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Crítica - Drama

Adaptação de peça de Strindberg fica no meio do caminho

"A Propósito de Senhorita Júlia" peca por não arriscar alterações profundas na adaptação de texto de 1888

CAROLIN OVERHOFF FERREIRA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O acréscimo de "A Propósito" ao título evidencia a atualidade dos ressentimentos e abismos entre patrões e empregados da peça "Senhorita Júlia", escrita em 1888 pelo sueco August Strindberg.

Adaptada ao Brasil contemporâneo pelo diretor Walter Lima Jr. e por José Almino, que situam sua versão na noite em que Lula ganhou as eleições presidenciais em 2002, o espetáculo acerta no linguajar nacional. Mas, ao seguir a dramaturgia do original sueco à risca, sem alterar cenas agora anacrônicas, acaba perdendo a aposta política.

Os sentimentos contraditórios de Júlia (Alessandra Negrini), filha de deputado de esquerda rico e corrupto, ficam no esboço. No início, levemente embriagada pelo álcool e pela eleição do operário, convence-se do seu desejo de que "sejamos todos iguais".

Depois, entre atração pelo motorista, paixão após uma noite de sexo, desespero ao descobrir ser "apenas uma transa" e neurose perante um futuro incerto, a oscilação permanece exterior, sem que se vislumbre um ser humano crível.

RISADAS TENSAS

Tem maior densidade o personagem Moacir (Eucir de Souza), motorista com veia sensível que quer subir na vida e, por isso, ou banca o machão ou submete-se ao pragmatismo e à consciência de classe da namorada (a cozinheira Cristiane).

É ainda responsável pelas frequentes risadas do público quando a peça abandona a tragédia na direção da comédia de costumes. No entanto, são piadas a custo dos empregados que o público aceita de bom grado para livrar-se da tensão gerada pela temática.

Quando o patriarca toca o interfone para dar ordens a um Moacir servil, há indícios de que a patologia dos dois reflita uma sociedade que não se libertou da oligarquia.

A fidelidade à dramaturgia strindbergiana, em que a morte do pássaro de Júlia por Moacir contribui para impedir a fuga do casal para uma vida melhor, abafa a alusão.

A cozinheira Cristiane (Dani Ornellas) oferece o maior desafio à atualização: é religiosa e aceita o seu lugar na sociedade.

Apesar de beirar o estereótipo (cozinheira, evangélica, negra), tem corpo e alma. Que a obediência a ela por Júlia e Moacir não convença mais resulta outra vez da desatualização da peça original.

Tanto a cenografia (José Dias) quanto o figurino (Angèle Fróes) são pouco expressivos em seu afastamento do naturalismo. O uso da trilha sonora (Walter Lima Jr.) e mudanças de luz (Daniel Galván) para reforçar a perturbação das almas não produz sempre o efeito desejado.

Faltava apenas apostar em alterações dramatúrgicas mais profundas "a propósito" desta Senhorita Júlia nacional.


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