Crítica Cinema/drama
Kiko Goifman expande os sentidos
Quase ficção com estratégias de documentário, novo filme do diretor é exemplo de experimentalismo
A produção audiovisual de Kiko Goifman iniciou-se no campo da videoarte, ajustada aos interesses do realizador pelo documental com enfoque em temas relacionados à violência.
Em 2008, com "Filmefobia", e agora, com "Periscópio", o diretor aproxima-se da ficção sem abandonar suas estratégias no documentário. Talvez seja mais adequado ver o filme como uma fricção entre esses campos.
Em cada uma dessas faces e fases, o trabalho de Goifman caracteriza-se por procedimentos em parte híbridos, fusões de linguagens e referências.
"Periscópio" torna mais evidente como a suspensão de fronteiras, característica da criação contemporânea, não é aqui mera tendência. Trata-se de procedimento que potencializa os questionamentos não só estéticos de uma obra marcada pela ideia de investigação.
"Periscópio" se passa integralmente no interior de um apartamento onde se reúnem dois personagens em confronto. Não se sabe ao certo se são pai e filho, padrasto e enteado, doente e cuidador ou mesmo ex-amantes condenados um ao outro.
Esse princípio de indeterminação também orienta a criação dos personagens e a escolha de seus intérpretes, um não-ator, outro puro ator.
De um lado, temos o professor e escritor Jean-Claude Bernardet, cujo físico frágil e influência robusta se sobrepõem, como roupas e máscaras, na pele de um estrangeiro com uma doença nos olhos. De outro, o curinga João Miguel encarna um tipo sincrético, servo e dominador, crente em Ogum e São Jorge, brasileiro da gema que conversa em inglês com peixes.
Também o periscópio, objeto absurdo que irrompe no meio da sala, deixa de ser só instrumento ótico de observação e ganha a função de espelho, quando em sua lente os personagens do longa se veem refletidos.
A dramaturgia, por sua vez, não parece rigidamente escrita num roteiro. A dinâmica de alguns diálogos e a vivacidade de muitas interações entre os intérpretes sugerem uma liberdade de improvisação com que Bernardet e Miguel, deliciosamente cúmplices, assumem a função de cocriadores.
A trilha incisiva do DJ Dolores (nome artístico de Hélder Aragão) tensiona ainda mais esses elementos, sem em momento algum se tornar reiterativa.
O resultado é um sólido exemplo de cinema experimental, o que não quer dizer um filme sem sentido, mas uma experiência que expande os sentidos.
PERISCÓPIO
DIREÇÃO Kiko Goifman
ELENCO Jean-Claude Bernardet, João Miguel
PRODUÇÃO Brasil, 2013, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (27)
AVALIAÇÃO muito bom