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Teatro
Peça revisita tradição política nos palcos
Teatro Popular União e Olho Vivo, um dos coletivos engajados mais longevos do país, estreia "A Cobra Vai Fumar"
Com esquerda no poder, diretores dizem que foco do teatro foi da luta partidária para a busca de mudanças sociais
"Tempo morto é também o tempo da ditadura que não acaba nunca de passar", diz um trecho de "Ópera dos Vivos", espetáculo recente de um dos mais emblemáticos grupos de teatro político do país, a Cia. do Latão.
A revisão do passado político do Brasil que alimenta o teatro nacional desde a época da ditadura ganha mais um capítulo nesta semana.
Um dos mais longevos grupos nacionais, o Teatro Popular União e Olho Vivo estreia neste sábado "A Cobra Vai Fumar - Uma Estória da Força Expedicionária Brasileira", cuja temporada regular se inicia após o Carnaval.
O espetáculo deste coletivo que há 46 anos aposta numa arte de resistência lança luz sobre um episódio importante da história do Brasil: repassa o envio de uma força militar brasileira à Europa, em 1943, com a missão de lutar ao lado dos aliados na Segunda Guerra Mundial.
O título da peça se refere ao emblema estampado no uniforme da tropa, que mostrava uma cobra fumando. Segundo o diretor e autor do grupo, Cesar Vieira, o desenho era um aceno aos que diziam que era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil ir à guerra.
Para Vieira, a peça serve como instrumento de combate contra governos totalitários de ontem e hoje.
"A verdade histórica deve prevalecer para que gerações futuras possam caminhar na busca de uma pátria livre e igualitária", acredita Vieira.
Ele não está sozinho na crença ou na prática do teatro como instrumento político e de reflexão.
LEI DE FOMENTO
Se a democratização e a ascensão da esquerda ao poder mudaram a cena política, a luta por transformação continua marcando as artes cênicas brasileiras até hoje.
O movimento ganhou fôlego em 2002, com a criação da Lei do Fomento, que disseminou o teatro de grupo pela cidade de São Paulo: o empurrão dado por ela foi essencial para iniciar ou sedimentar as trajetórias dos politizados Cia. São Jorge de Variedades, Teatro de Narradores, Núcleo Bartolomeu e do próprio Latão.
Segundo a professora da USP Maria Lúcia de Souza Barros Pupo, em ensaio publicado no livro " Teatro e Vida Pública - O Fomento e os Coletivos Teatrais de São Paulo", a lei contempla projetos que questionam as regras do mercado e se guiam pela ótica de uma intervenção social.
"O teatro de grupo se propõe não a uma apresentação mimética do mundo, mas a agir sobre esse mundo, no limite, transformando-o", diz.
Claudia Schapira, autora e diretora do Núcleo Bartolomeu, afirma que a luta do teatro político tornou-se mais ampla na atualidade.
"Nossa busca deixou de ser por transformação política. Passou a abarcar todas as relações. Visamos agora uma reforma humanitária", diz.
Para José Fernando Azevedo, encenador do Teatro de Narradores, a luta por mudanças políticas não perdeu sua pertinência. "Democratização do governo não é o mesmo que democratização da sociedade", afirma ele.
Entretanto, o encenador reconhece que o papel do teatro político hoje se alterou. Para ele, não basta uma arte que revise o passado. É preciso que ela faça uma espécie de "arqueologia do futuro".
Schapira concorda. "Durante a ditadura, os artistas tinham um inimigo muito claro. A gente não tem mais. Hoje, a arte tem que olhar para o passado como uma antena parabólica capaz de reverberar o que, a partir do que vivemos, virá", afirma.