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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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Cada vez mais construtoras e incorporadoras usam o nome de arquitetos badalados para valorizar os lançamentos

O preço da grife

SÉRGIO DURAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Eles começaram decorando o hall e, agora, chegam à fachada dos empreendimentos. Cada vez com mais frequência, construtoras e incorporadoras usam arquitetos badalados, que estrelam eventos como Casa Cor ou aparecem em revistas de celebridades, para valorizar seus lançamentos.
Os serviços usados vão da elaboração do projeto arquitetônico até a simples assinatura no anúncio publicitário. Dessa forma, elas buscam agregar valor ao novo empreendimento e atingir um público que procura algo a mais do que simplesmente uma casa ou um apartamento, por mais que esteja comprando isso mesmo.
Há um ano o arquiteto e decorador Sig Bergamin, 50, começou a dedicar-se mais aos lançamentos imobiliários. Hoje, embora participe de 15 projetos da construtora e incorporadora Cyrela, reconhece que não faz o projeto do início ao fim. "Mas não sou louco de emprestar o nome sem que tenha passado pelo meu crivo", diz.
O edifício Contemporâneo, no Paraíso (zona sul), é um exemplo. Traz a assinatura dele, mas foi projetado pelo escritório de Henrique Cambiaghi, 53, presidente da Asbea (Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura). Bergamin opinou sobre o acabamento e desenhou a fachada.
"Os arquitetos-decoradores conquistaram a mídia decorando casas de famosos. É mérito deles. Mas não se deve esquecer que a assinatura da grife vem depois de um trabalho de anos de outro profissional, que define, realmente, a qualidade do empreendimento", argumenta Cambiaghi.

Obra-prima
Com mais tempo de mercado, o arquiteto João Armentano, 42, diz que profissionais como ele trazem inovações. "Brigo muito com as construtoras. Quem disse que ninguém faz questão de um bom pé-direito ou de um bom quarto de empregada?" No Opera Prima, na Vila Andrade (zona sul), vendido como "mais uma de suas obras-primas", ele, além de projetista, é garoto-propaganda.
"O que mudou não foi o destaque que passou a ser dado ao nome do profissional, mas a forma como isso é feito", afirma Gonzalo Fernandez, 36, diretor da imobiliária Fernandez Mera, que vende o produto de João Armentano. "O que se explora, atualmente, é a personalidade do arquiteto. Alguns se tornaram celebridades."
Às vezes a grife torna-se referência para o consumidor. É o que acontece com os neoclássicos projetados nos últimos 50 anos por Adolpho Lindenberg, 78. "Acompanho a construção, observo os detalhes. Os colegas que estão chegando agora ao mercado lançam muitas inovações, mas só o tempo dirá se vão durar."
Para o arquiteto Alberto Botti, 72, há 50 no mercado, a grife é um artifício de venda, nada tem a ver com arquitetura. "O que se produz hoje não se perpetua. Os parâmetros de qualidade caíram. Prédios modernos ficam velhos em cinco anos, e os clássicos dão a impressão de ter mais de 200 anos em pouco tempo."
Itamar Berezin, 42, autor de quase 900 projetos, diz que não aceita dividi-los com uma grife. "Sou restritivo. De 1981, quando comecei, para hoje, percebo as diferenças na qualidade", afirma.
"O capitalismo busca outras formas de capitalização, e a grife é uma delas", explica a professora do Mackenzie Nadia Somekh, 49, presidente da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) e especialista em história da verticalização da cidade de São Paulo.
No passado, diz, a arquitetura importava mais que o arquiteto. "Não era relevante se foram Adhemar Marinho e Álvaro Vital Brasil que projetaram o edifício Esther, por exemplo. O que prevalecia era a construção", exemplifica, ao citar o primeiro prédio modernista (1938) da capital, na praça da República (zona centro).



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