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Cada vez mais construtoras e incorporadoras usam o nome de arquitetos badalados para valorizar os lançamentos
O preço da grife
SÉRGIO DURAN
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Eles começaram decorando o
hall e, agora, chegam à fachada
dos empreendimentos. Cada vez
com mais frequência, construtoras e incorporadoras usam arquitetos badalados, que estrelam
eventos como Casa Cor ou aparecem em revistas de celebridades,
para valorizar seus lançamentos.
Os serviços usados vão da elaboração do projeto arquitetônico
até a simples assinatura no anúncio publicitário. Dessa forma, elas
buscam agregar valor ao novo
empreendimento e atingir um
público que procura algo a mais
do que simplesmente uma casa
ou um apartamento, por mais que
esteja comprando isso mesmo.
Há um ano o arquiteto e decorador Sig Bergamin, 50, começou a
dedicar-se mais aos lançamentos
imobiliários. Hoje, embora participe de 15 projetos da construtora
e incorporadora Cyrela, reconhece que não faz o projeto do início
ao fim. "Mas não sou louco de
emprestar o nome sem que tenha
passado pelo meu crivo", diz.
O edifício Contemporâneo, no
Paraíso (zona sul), é um exemplo.
Traz a assinatura dele, mas foi
projetado pelo escritório de Henrique Cambiaghi, 53, presidente
da Asbea (Associação Brasileira
dos Escritórios de Arquitetura).
Bergamin opinou sobre o acabamento e desenhou a fachada.
"Os arquitetos-decoradores
conquistaram a mídia decorando
casas de famosos. É mérito deles.
Mas não se deve esquecer que a
assinatura da grife vem depois de
um trabalho de anos de outro
profissional, que define, realmente, a qualidade do empreendimento", argumenta Cambiaghi.
Obra-prima
Com mais tempo de mercado, o
arquiteto João Armentano, 42, diz
que profissionais como ele trazem
inovações. "Brigo muito com as
construtoras. Quem disse que
ninguém faz questão de um bom
pé-direito ou de um bom quarto
de empregada?" No Opera Prima,
na Vila Andrade (zona sul), vendido como "mais uma de suas
obras-primas", ele, além de projetista, é garoto-propaganda.
"O que mudou não foi o destaque que passou a ser dado ao nome do profissional, mas a forma
como isso é feito", afirma Gonzalo Fernandez, 36, diretor da imobiliária Fernandez Mera, que vende o produto de João Armentano.
"O que se explora, atualmente, é a
personalidade do arquiteto. Alguns se tornaram celebridades."
Às vezes a grife torna-se referência para o consumidor. É o que
acontece com os neoclássicos
projetados nos últimos 50 anos
por Adolpho Lindenberg, 78.
"Acompanho a construção, observo os detalhes. Os colegas que
estão chegando agora ao mercado
lançam muitas inovações, mas só
o tempo dirá se vão durar."
Para o arquiteto Alberto Botti,
72, há 50 no mercado, a grife é
um artifício de venda, nada tem
a ver com arquitetura. "O que
se produz hoje não se perpetua.
Os parâmetros de qualidade caíram. Prédios modernos ficam velhos em cinco anos, e os clássicos
dão a impressão de ter mais de
200 anos em pouco tempo."
Itamar Berezin, 42, autor de
quase 900 projetos, diz que não
aceita dividi-los com uma grife.
"Sou restritivo. De 1981, quando
comecei, para hoje, percebo as diferenças na qualidade", afirma.
"O capitalismo busca outras
formas de capitalização, e a grife é
uma delas", explica a professora
do Mackenzie Nadia Somekh, 49,
presidente da Emurb (Empresa
Municipal de Urbanização) e especialista em história da verticalização da cidade de São Paulo.
No passado, diz, a arquitetura
importava mais que o arquiteto.
"Não era relevante se foram
Adhemar Marinho e Álvaro Vital
Brasil que projetaram o edifício
Esther, por exemplo. O que prevalecia era a construção", exemplifica, ao citar o primeiro prédio
modernista (1938) da capital, na
praça da República (zona centro).
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