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Segredo a quatro chaves
Em "O Julgamento de Kissinger", o jornalista Christopher Hitchens faz um duro
balanço da carreira do ex-secretário de Estado dos EUA e Nobel da Paz em 1973
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Gilberto Felisberto Vasconcellos
especial para a Folha
Responsável por genocídio de civis
na Indochina, em Bangladesh, em Timor Leste, em Chipre, derrubador de Allende, responsável pelos mortos e desaparecidos no Chile, admirador de Pinochet, assassinatos, sequestros, torturas, conselheiro de segurança
de Nixon, 20 mil norte-americanos mortos no Vietnã entre 68 e 72, tendo orgasmo acionando os bombardeiros dos
aviões B-52 em cima do Camboja, com
600 mil mortos civis e 350 mil no Laos.
Incrível sua capacidade de matar.
Além de useiro e vezeiro em grampear
telefone nos Estados Unidos. Meu Deus,
como é que um homem com tamanho
currículo de maldade e atrocidade consegue dormir tranquilo em sua vida de
longevo aos 80 anos? Não só consegue,
como ele se acha o máximo, o gostosão, o
bacanudo da política internacional nos
últimos 30 anos.
O doutor Henry Kissinger -eis o que
surpreende o jornalista Christopher Hitchens- nunca deu o menor sinal de arrependimento do que fez. Não se sente
culpado de nada. À luz da psicanálise,
Kissinger foge à regra: ele é capaz de
manter psiquicamente a quatro chaves o
segredo. Não tem necessidade de confessar. Nem de pedir perdão.
Aliás, muita gente o admira. Tanto que
já ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Diplomata o mais citado.
Depois de revelar os podres de Kissinger, o autor desse livro achava que iria ser
processado, mas isso não aconteceu. Por
incrível que pareça, muita gente quer ouvir o que Kissinger tem a dizer, cobrando
US$ 30 mil por palestra. Afinal ele foi
professor catedrático de Harvard. De
acadêmico a conselheiro de segurança
nacional de Nixon. Do
exercício da cátedra à práxis do extermínio em vários lugares do mundo.
Do filósofo Sócrates a
Kissinger alguma coisa
mudou na atividade de
ensinar. Um, lá na Grécia
Antiga, teve que tomar cicuta depois de dar aulas; o
outro ganha rios de dinheiro em Nova
York, dono de uma consultora particular, "Kissinger Associates", espécie de
forrado Cebrap que estabelece contratos
e planejamentos entre corporações multinacionais e os governos, American Express, ITT Lockheed, Banca Nazionale
del Lavoro, Coca-Cola, Fiat, Midland
Bank.
Nesta "reportagem investigativa" somos informados de que o professor medíocre subiu na vida através da adulação
e da ausência total de escrúpulos. Judeu
alemão, com a ascensão do nazismo,
veio morar nos Estados Unidos.
Em sua carteira de identidade está grafado o antimarxismo. É célebre sua frase
para justificar a derrubada de Allende no
Chile: "Não vejo por que temos de ficar
parados enquanto um
país se torna comunista
pela irresponsabilidade
de seu povo".
Se tivesse comandando
a segurança dos EUA em
1964, certamente teria
ajudado a derrubar João
Goulart.
Secretário de Estado de
1973 a 1976, durante o embargo do petróleo pela Opep (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo), Kissinger
não viu com bons olhos a invenção tecnológica do Pró-Álcool entre nós. Auto-suficiência energética dos trópicos? Um
imenso Japão na América do Sul? Nem
pensar. Fato é que, desde então, o Proálcool está morrendo devagar que nem d.
Sebastião em Alcácer-Quibir.
Kissinger esteve no Brasil durante o período Geisel, mas não se cogitou aqui em
condecorá-lo, diferentemente do que teria rolado em março de 2002: o governo
brasileiro tinha a intenção de homenageá-lo com a Ordem do Cruzeiro do
Sul...
O doutor Kissinger hoje já não pode
mais fazer suas viagens pelo mundo sem
ser atingido por tomates. Em tempo: inglês, o autor deste livro não é nenhum
americanofóbico -tanto que defendeu
a invasão dos EUA no Afeganistão depois do 11 de setembro. "Petróleo oblige", diria Noam Chomsky.
Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de
ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de
Fora (MG) e autor de, entre outros, "Biomassa - A
Eterna Energia do Futuro" (ed. Senac).
O Julgamento de Kissinger
192 págs., R$ 32,00 de Christopher Hitchens. Trad.
Adelina França. Editora Boitempo (r. Euclides de Andrade, 27,
CEP 05030-030, SP, tel. 0/xx/11/3875-7250).
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