|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
+ livros
Manual aproxima o ritual de políticos, empresários, artistas e misses para atingir o sucesso, mas perde a chance de discutir os mecanismos da fama
O caminho das estrelas
Beatriz Resende
especial para a Folha
Fama e celebridade. Não se fala em
outra coisa. É claro que a novela de
Gilberto Braga (ele mesmo um
"low profile", discreto e irônico)
coloca o tema na ordem do dia, mas o debate já estava em cena antes disso. Talvez
a importância da eleição do presidente
Lula e a visibilidade que seu recurso a
competente profissional do marketing
político teve durante toda a campanha
eleitoral tenham sido o impulso para um
novo debate em torno do já conhecido
tema: como fazer sucesso. Se candidato
de tamanho respaldo popular, apresentado por um partido político que cultivara por tanto tempo ideais de "pureza",
recorria a especialista que cuidasse da
imagem veiculada pela mídia para garantir sua vitória, o que não deve fazer
um comum mortal se desejar conseguir
algum sucesso, seja nas passarelas ou
vendendo pamonha?
Nara Damante entende realmente de
marketing, do valor da marca como espécie de bem e de patrimônio intangível,
ou não teria escrito um livro com as peculiaridades de "Fama - Como Se Tornar
uma Celebridade". Mas também deve ter
ralado muito pelas redações reais e virtuais por onde tem trabalhado como jornalista, ao que parece com sucesso, ainda
que não tenha, por enquanto, se tornado
uma celebridade. E é justamente aí que
está o interesse desse livro bem-humorado e..., diria, eficiente, se entendesse alguma coisa da questão!
Para começar, o livro vem antecedido
de dois prefácios. Um foi escrito por Suzana Alves, modelo, atriz e cantora que
ficou conhecida por encarnar a personagem Tiazinha e que hoje, segundo ela
própria, tendo amadurecido e aprendido
como usar a fama e não ser por ela usada,
estuda jornalismo. Esse é o primeiro,
pois, como diz Nara Damante na introdução, a intenção do livro não é discutir
"critérios subjetivos de talento", mas
apontar ao leitor "caminhos para realizar o desejo de ser famoso".
Fama, sucesso, importância
O segundo é de Ana Mae Barbosa, professora titular da histórica Escola de Comunicação e Artes da USP, ex-diretora do
Museu de Arte Contemporânea de São
Paulo, autora de obras de reconhecimento internacional no campo do ensino das
artes. Intelectual da maior competência,
Barbosa é uma referência no meio universitário, respeitada e querida. Uma raridade. Em seu texto, estabelece uma diferença decisiva entre fama, sucesso e
importância, relembra o Machado de
Assis de "Quase Ministro" e aponta,
cheia de razão, a contraface da fama no
meio acadêmico: a inveja.
De todos os sentimentos que aparecem
no livro como propulsores do desejo de
se tornar famoso e, ao mesmo tempo, como consequência de atingir o objetivo, o
mais frequente é o da inveja. Foi aí que,
também a mim, ocorreu uma citação do
nosso romancista maior.
Em 30 de março de 1889, com a vida
política fervilhando às vésperas da Proclamação da República, Machado inicia
sua crônica da série "Bons Dias" com
uma pérola desse gênero literário do efêmero: "Quem nunca invejou, não sabe o
que padecer. Eu sou uma lástima. Não
posso ver roupinha melhor em outra
pessoa, que não sinta o dente da inveja
morder-me as entranhas. É uma comoção tão ruim, tão triste, tão profunda,
que dá vontade de matar".
Lembremos que o recluso bruxo do
Cosme Velho foi, talvez, o escritor brasileiro que mais reconhecimento teve em
vida, ultrapassando, com seu prestígio,
imensos obstáculos que a uma sociedade
preconceituosa agradava criar. "Querer"
é o primeiro dos ingredientes para a
construção da fama.
Auto-ajuda
"Fama" é um livro de
auto-ajuda, "categoria concorridíssima",
ou, para usar o jargão mais adequado,
uma dentre as atuais "obras motivacionais", mas tem o mérito de dessacralizar
qualidades e pecados. Médicos, advogados, jornalistas e escritores ambicionam
a fama, e os recursos para chegar lá não
diferem muito dos recomendados aos
modelos ou apresentadores de TV, assim como os rituais cumpridos pelos políticos não se afastam tanto assim de rotinas das misses, a partir do mote: "Valorizar o bom e esconder o ruim".
Cabe observar que o livro não deixa de
lembrar a existência de um código de ética do Conselho Federal de Medicina que
dispõe sobre a publicidade ou que os jornalistas devem se restringir a métodos lícitos de reportagem, reservando-se o direito de não revelar suas fontes.
Os conselhos dados aos que sonham
estar sob holofotes por meio da publicação de livros são válidos para quase todas
as práticas: "Desde que não seja um tema
preconceituoso, moralmente inaceitável
ou ilegal, tudo é válido e tem interesse em
potencial". Por isso mesmo as trajetórias
exemplares destacadas, seja pela persistência, pelo acaso, teimosia ou transgressão, vão de Elvis Presley a Zé do Caixão,
de Rita Cadillac (já "resgatada" por
Drauzio Varella e Hector Babenco) a Cora Coralina.
Como, porém, nessa "modernidade líquida" é com rara rapidez que fama, celebridade, apreço público, prestígio e reconhecimento se desfazem no ar, esse
manual da fama pode servir também como companheiro nos duros momentos
da vida em que chega a hora de descer a
ladeira. Afinal, "ser celebridade cansa...".
Beatriz Resende é professora da UniRio e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
É autora de "Apontamentos de Crítica Cultural"
(DNL/Aeroplano), entre outros livros.
Fama
168 págs., R$ 19,90
de Nara Damante. Ed. Matrix (r. Oscar Freire,
1.319, conjunto 20, CEP 05409-010, São Paulo, SP,
tel. 0/xx/ 11/ 3086-2395).
Texto Anterior: A falsa polarização Próximo Texto: + livros: Exercícios de contar histórias Índice
|