|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"O Grau Zero do Escreviver" reúne textos do poeta, crítico e tradutor
José Lino Grünewald sobre temas como cinema, música e televisão
Perambulação com rumo certo
O Grau Zero do Escreviver
286 págs., R$ 32,00
de José Lino Grünewald. Org. de José Guilherme
Corrêa. Ed. Perspectiva (av. Brigadeiro Luís Antônio, 3.025, CEP 01401-000, SP, tel. 0/xx/11/3885-8388).
José Geraldo Couto
Colunista da Folha
José Lino Grünewald (1931-2000) foi
poeta, tradutor, crítico e, acima de tudo, um pensador da cultura, um homem sintonizado com as grandes
questões da linguagem e da comunicação em nossa época.
Em "O Grau Zero do Escreviver", organizado por José Guilherme Corrêa, reúne-se uma parte relevante dos textos que
Zé Lino (como era chamado pelos amigos e admiradores) publicou na imprensa entre o final dos anos 50 e o final dos
90. São artigos, resenhas, trechos de entrevistas e pequenos ensaios que dão testemunho de uma inteligência viva e multifacetada.
Além de seu campo principal de interesse -a literatura e, dentro dela, a poesia-, Grünewald dedicou-se também a
pensar e discutir o cinema, o teatro, a
música, a televisão, o comportamento, a
propaganda etc.
De "O Grau Zero do Escreviver" estão
excluídos seus personalíssimos textos
sobre cinema, reunidos em outro volume, "Um Filme É um Filme", organizado
por Ruy Castro e lançado em 2001 pela
Companhia das Letras.
Coerência básica
Por trás da multiplicidade de temas abordados na atual
coletânea -das teorias de Ernst Cassirer
aos programas televisivos de humor-, é
possível constatar a coerência básica do
autor, empenhado em demolir falsas
fronteiras entre "alta" e "baixa" culturas
e em defender a integração entre proposta e forma no fazer literário e artístico.
É essa atitude antiacadêmica e sem
preconceitos, essa abertura à invenção
artística, venha ela de onde vier, que permite ao crítico, por exemplo, considerar
Noel Rosa e Orestes Barbosa poetas mais
importantes que Augusto Frederico
Schmidt. Ou então de fazer aproximações audaciosas, como as que estabelece
entre o cinema de Alain Resnais e a poesia de Mallarmé ou entre os "tempos
mortos" de Virginia Woolf e o dos filmes
de Antonioni.
Do mais sofisticado conceito de Peirce
[filósofo norte-americano, 1839-1914" à
mais coloquial piada de bar, tudo serve
de alimento para a reflexão inquieta de
Grünewald, mas algumas idéias básicas
conferem um rumo seguro a essa aparente perambulação intelectual.
Tais diretrizes estão configuradas em
certas citações repetidas à exaustão. Em
especial: "O poeta é a antena da raça"
(Pound), "Poesia não se faz com idéias, e
sim com palavras" (Mallarmé), "A poesia é a fundação do ser pela palavra"
(Heidegger).
Com essas réguas e compassos, Grünewald traça suas afinidades e antipatias
estéticas e faz sua leitura particular da
história literária.
Leitura autônoma
Se essa leitura é
bastante próxima daquela que fazem os
concretistas, tem também bastante autonomia e originalidade para defender, na
contramão daqueles, uma revalorização
da poesia de Mário de Andrade ou para
realçar a importância de poetas surrealistas como André Breton e Robert Desnos. Até o caudaloso Neruda, uma espécie de antípoda dos concretos, tem sua lírica valorizada criticamente pelo autor.
Os textos mais densos e estimulantes
de "O Grau Zero do Escreviver" são
aqueles em que Grünewald se debruça
sobre algum autor de sua predileção e
opera uma leitura ao mesmo tempo rigorosa e apaixonada de sua obra.
É o que faz, por exemplo, ao analisar os
"minipoemas" de Lorca, naquele que é
talvez o mais belo artigo do livro. Ou então no generoso panorama das várias fases e faces da produção de Carlos Drummond de Andrade ("Drummond no
Processo"). Ou ainda no instigante paralelo entre o cinema de Resnais e a poesia
de Mallarmé.
Escolhos no caminho
Pena que a
edição do volume não tenha obedecido
ao cuidado que os textos merecem e que
a coleção "Debates", da ed. Perspectiva,
costumava respeitar.
Os erros de revisão são frequentes e irritantes, não raro dificultando ou mesmo impossibilitando a compreensão do
texto. Alguns exemplos de trocas absurdas: "nomes" por "no mês" (pág. 93),
"alentado" por "alenta-o" (pág. 95),
"sombras" por "sobras" (pág. 96), "she"
(ela) por "ahe" (pág. 142).
Com tantos escolhos no caminho, a leitura da prosa -sempre tão agradável-
do autor torna-se um exercício constante
de interpretação e adivinhação. Pensando bem, talvez o autor até visse nisso
mais um motivo para rir.
Texto Anterior: Experiências oníricas na Grécia Antiga Próximo Texto: lançamentos Índice
|