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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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O escritor Tom Wolfe elogia os novos autores, mas diz que o romance americano "sofre de anorexia"

MEDO DE REALISMO

Reprodução
O escritor Tom Wolfe, autor de "Um Homem por Inteiro"


Antonio Monda
do "El País"

Sempre contundente, inteligente e polêmico, Tom Wolfe [1931], "o Balzac da Park Avenue", explica nesta entrevista por que sempre se veste de branco; elogia Jonathan Franzen e Richard Price; define-se como "um democrata à Jefferson", investe novamente contra Norman Mailer, John Updike e John Irving -que haviam atacado seu livro "Um Homem por Inteiro" [ed. Rocco], de 1998- e, "de um ponto de vista cultural", torna a resgatar Balzac. Surpreendentemente, e apenas para cumprir uma promessa feita a alguns amigos de seus tempos de repórter, Tom Wolfe aceita falar publicamente sobre o futuro da literatura e o papel que esta pode ter numa época de medos e incertezas. Além da dura polêmica que manteve com Mailer, Updike e Irving, disparou farpas venenosas contra Susan Sontag e todo o círculo da "New Yorker", que ele descreve como um meio esnobe, conspirador, pedante e, no fim das contas, sem influência cultural. Nesses ataques, chamou de "múmias minúsculas" os redatores e escritores da revista mais prestigiosa dos Estados Unidos, provocando a ira dos aludidos e gargalhadas entre todos os que compartilham as opiniões de Wolfe, mas não têm coragem nem cacife para expressá-las publicamente. De seus livros e de sua concepção de jornalismo, que entrou para a história com o nome de "novo jornalismo" ("new journalism"), nasceram expressões como "radical chique" e "marxista rococó". Antes de começar a falar sobre o possível renascimento do romance, Wolfe dialoga com o Prêmio Pulitzer John Darnton, que o convida a explicar seu hábito de sempre se vestir inteiramente de branco. Wolfe conta que a mesma pergunta foi feita a Mark Twain, que respondeu: "Não é por ostentação nem provocação, mas não posso dizer que me desagrade chamar a atenção". O escritor diz que sua maneira de vestir nasceu da necessidade: quando começou a trabalhar como cronista, era de bom-tom usar terno e gravata. Ao chegar a Nova York, ele logo comprou um terno branco, como os que estavam na moda em sua cidade, Richmond, mas ao longo do verão escaldante descobriu que escolhera um tecido quente demais. Não podendo se dar ao luxo de comprar um segundo terno, continuou a usá-lo durante o outono e o inverno, percebendo divertido o desconcerto que provocava entre seus colegas e as pessoas na rua. A partir desse momento, o branco se tornou seu sinal distintivo e a maneira de definir o vestuário segundo uma postura contrária a qualquer convenção.

Quais os escritores contemporâneos de que mais gosta?
Tive uma impressão muito favorável de Jonathan Franzen, de sua ambição de escrever um romance clássico. Mas também quero citar Richard Price: admiro a pesquisa que ele realizou para escrever "Clockers" [1992], na qual entrou em contato com traficantes e policiais para refletir fielmente sua linguagem, seus gestos e seu modo de pensar. Mas devo acrescentar que o romance americano sofre de anorexia e que a época de ouro da narrativa americana coincidiu com um período em que os escritores amavam seu próprio país. Hoje, a ensaística me parece muito mais excitante do que a narrativa.

A que o sr. atribui essa relutância em encarar uma narrativa clássica e realista?
Em grande medida, ao cinema. Pensemos, por exemplo, em Oliver Stone. Eu sou dos que admiraram "Em Qualquer Domingo" [longa-metragem de 1999 sobre futebol americano] pela dedicação que o diretor demonstrou ao mergulhar numa realidade como a do esporte, que lhe era estranha. Acredito que a literatura deve tratar de temas atuais com a mesma paixão e cuidado. Agora se fala em fundamentalismo religioso, mas o livro que me vem à mente sobre o assunto é um velho clássico como "Elmer Gantry", de Sinclair Lewis, o mesmo que, ao receber o Prêmio Nobel [em 1930], exortou os escritores americanos a "oferecer aos Estados Unidos uma literatura digna de sua própria grandeza".

Essa posição o leva a realizar um trabalho de preparação interminável antes da escrita definitiva de um livro?
Sou o primeiro a sofrer com isso, mas, no fundo, também o primeiro a tirar prazer disso. Agora estou preparando um romance ambientado num alojamento universitário: minha ambição é contar a história pelo olhar dos estudantes, e sei que só poderei obter um efeito realista depois de passar muito tempo com esses jovens. Já pesquisei muito na Universidade da Flórida e também fui às festas, às reuniões, às aulas...

Em seus romances, o sr. trabalha o contraste entre as classes sociais, sempre frisando que nos EUA os mais humildes são constantemente explorados pelos mais poderosos. Parece um argumento progressista, mas suas posições políticas são muito diferentes...
Eu me defino como um democrata à Jefferson [1743-1826, terceiro presidente dos EUA e autor da Declaração da Independência] e, de um ponto de vista cultural, torno a resgatar Balzac.

Em que sentido?
Em seu foro íntimo, ele era um conservador que desejava a volta da monarquia, mas em seus livros descrevia as classes mais humildes com grande paixão. A posição de Zola é oposta, pois ele tinha umas idéias políticas que definiríamos como progressistas, mas narrava a dura vida dos desvalidos com um realismo que escandalizava os intelectuais da época.

Três escritores do calibre de Norman Mailer, John Irving e John Updike tacharam "Um Homem por Inteiro" de "espetáculo" e "megabest-seller", desqualificando-o como literatura. A resposta que o senhor lhes deu foi chamá-los de "os três patetas".
Não me limitei a replicar, mas tentei explicar que a posição deles era ideológica: "Um Homem por Inteiro" e, muitos anos atrás, "A Fogueira das Vaidades" [ed. Rocco] apostam na necessidade de uma narrativa calcada no realismo; no meu caso, esse realismo tem por base a reportagem e uma pesquisa cuidadosa. Minha principal referência cultural é Balzac, e o sucesso mundial desses dois livros prova a crise de um sistema cultural em que os escritores vivem acomodados, agarrados a suas posições, como é o caso desses três. Uma coisa que me chocou foi John Irving ter chegado a me insultar num programa de TV.

Em um dos ensaios de "A Besta Humana", o sr. descreve com ironia as férias no Caribe da pequena burguesia, que viajaria em busca de um bem-estar imediato e vulgar. O sr. não acha que esse mundo mudou profundamente depois do 11 de setembro?
Vivemos tempos muito sombrios, que eram imprevisíveis na época em que escrevi o livro. Mas entendo que, na essência, a situação não se alterou: há poucos dias, assisti na TV a uma reportagem sobre um incêndio em Barbados, e os americanos entrevistados eram todos sujeitos em férias que faz algum tempo nem imaginavam que poderiam visitar esses lugares. Não é um julgamento, mas uma constatação.

A realidade supera a ficção, no tempo e na fantasia?
Constantemente. Quando escrevi "A Fogueira das Vaidades", imaginei que o protagonista morava na Park Avenue, em um apartamento de US$ 2,5 milhões, uma quantia absurda na época. Quando o livro saiu, um apartamento como aquele valeria US$ 4,5 milhões. Quanto à fantasia presente na realidade, pense no caso Clinton-Lewinsky. Um escritor até poderia ter imaginado uma relação entre o presidente e uma estagiária, mas ninguém chegaria a esses detalhes: o charuto, a mancha no vestido, o local do ato, os incríveis personagens que os rodeavam...

O sr. cunhou o termo "radical chique" depois de participar de um jantar oferecido pelo maestro Leonard Bernstein em homenagem aos Panteras Negras [grupo de destaque no movimento "black power", nos anos 60], em seu apartamento de US$ 2,5 milhões na Park Avenue.
E como o sr. o definiria? Durante anos, ele me acusou de ter escrito sobre uma festa em que eu estava como convidado, e não como jornalista, mas posso garantir que eu fiz as minhas perguntas e anotações de maneira totalmente explícita, no meio do salão.

Qual foi a reação de Bernstein?
Nunca mais o vi.

Existe uma técnica para fazer bom jornalismo?
Acho que não. Penso antes numa atitude mental. Ao abordar um tema ou uma notícia, eu digo a mim mesmo: "Sei que estou diante de uma informação importante, e faço por merecê-la".


Tradução de Sergio Molina.


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