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Em "Introdução às Grandes Teorias do Teatro", Jean-Jacques Roubine avalia
as discussões sobre o fenômeno cênico, de Aristóteles aos autores atuais
A redescoberta do palco e da criação
Barbara Heliodora
especial para a Folha
Não é esta a primeira vez que a
Jorge Zahar publica uma obra
do notável estudioso do teatro
Jean-Jacques Roubine, mas é
possível que esta "Introdução às Grandes Teorias do Teatro" seja a mais significativa de todas elas. Morto em 1990,
Roubine escreveu aqui, mais do que tudo, uma das mais claras e objetivas análises do peso das teorias estéticas sobre a
dramaturgia francesa que se possa imaginar, principalmente porque nela a limpidez do pensamento é expressada em
irretocáveis limpidez e precisão de linguagem: o conhecimento e o amor de
Roubine pelo passado do teatro francês
não lhe tiram nem a objetividade nem a
exigência crítica, mas por certo tiram de
seu texto a emotividade patriótica que
macula tantos trabalhos. Roubine é tão
exato quanto possam desejar os mais inflexíveis teóricos, mas o seu amor a um
teatro vivo, que se comunique com o público, aquece e enriquece o que é dito.
A par da notável linguagem de Roubine é preciso ressaltar aqui o quanto o tradutor André Telles seguiu a proposta do
autor, deixando o texto em português
não só agradável e fluente, mas também
um excelente veículo para a compreensão do pensamento apresentado.
Roubine divide sua obra em quatro
blocos que refletem, com bastante precisão, etapas do desenrolar da dramaturgia: 1. "Aristóteles Revisitado", 2. "Da
Tragédia ao Drama", 3. "O Princípio de
Realidade", e 4. "As Seis Tentações do
Teatro". Nas primeiras três etapas, Roubine examina quase exclusivamente o
teatro francês, ressaltando com brilho o
domínio dos teóricos, principalmente a
soberana indiferença destes em relação
ao fenômeno cênico, que explica a ausência de estudos da interpretação.
A obediência às regras, que na França
era considerada um mérito em si, é examinada sob o ponto de vista do engano,
da provocação do engano graças ao qual
o dramaturgo sem talento era aplaudido
simplesmente por escrever respeitando
todas as regras, enquanto o gênio de outros era sacrificado e até mesmo destruído simplesmente por ousar desobedecê-las, sendo disso o mais famoso e clamoroso exemplo o de Corneille, com a condenação de "Le Cid".
No século 17, só Molière, por ser dotado de uma genialidade que encontrava
sua melhor expressão na comédia, escapa um pouco dos grilhões criados pela
Academia. Porém, já no século 18, Roubine destaca como um dos principais
motivos da qualidade de Marivaux e
Beaumarchais o encontro de linguagens
muito individuais nos dois casos.
Roubine é particularmente penetrante
em suas observações a respeito da importância das mudanças sociais e, consequentemente, da composição da platéia,
com suas exigências específicas: o público que passou a frequentar o teatro depois da Revolução de 1789 era diferente
daquele para o qual escreveu Racine: desapareceram as platéias que se deleitavam com referências à mitologia e aos
heróis da antiguidade; e, no capítulo sobre a passagem da tragédia para o drama, é muito bem analisada e apresentada
a função pedagógica de um teatro que,
falando de épocas e acontecimentos
mais próximos de quem os assistia, não
escapa da perda da forma, pois, quando
não se fala mais de reis, mas de contemporâneos, ou quase, sempre haverá na
platéia a clássica reação antiarte que afirma -e com orgulho- saber que "ninguém fala em verso"... Mas Roubine vai
mais longe, e seus parágrafos a respeito
de "Uma Pedagogia da Virtude", "A Proximidade e o Afastamento", "Descoberta
da Teatralidade" e "A Estética e a Moral"
merecem leitura cuidadosa, pois boa
parte da mais rotineira dramaturgia até o
século 20 (e até mesmo entrando pelo 21)
é herdeira direta de tudo o que aconteceu
no século 18.
A descoberta do palco e o individualismo dos criadores mais recentes, que encontraram a liberdade para expressar
seus gênios específicos em formas pessoalmente encontradas (o que, diz Roubine, implica, em última análise, o reconhecimento de uma realidade semelhante na impossibilidade de se imitar tanto
Shakespeare quanto Brecht ou Beckett,
pois suas formas nascem do que pensam
e buscam pessoalmente no momento,
não condicionados por qualquer estética
pré-determinante. (É claro que qualquer
desses gênios maiores pode inspirar novos autores, porém nunca ser imitado
em sua forma).
Aos períodos mais recentes, Roubine
dedica suas observações sobre as "tentações", que são os modismos que, um
após o outro, procuram prender o teatro
a certas missões com a predominância
de um ou outro componente de sua forma total, em lugar do equilíbrio que os
grandes gênios encontraram entre texto
e espetáculo. A leitura de "Introdução às
Grandes Teorias do Teatro" é preciosa
tanto para quem quer aprender quanto
para quem quer aprender ainda mais,
pois faz pensar, a par de ser leitura das
mais agradáveis.
Barbara Heliodora é crítica de teatro, tradutora e
autora de "Falando de Shakespeare" (ed. Perspectiva), entre outros.
Introdução às Grandes Teorias do Teatro
608 págs., R$ 54,00
de Jean-Jacques Roubine. Trad. André Telles. Ed.
Jorge Zahar (r. México, 31, sobreloja, CEP 20031-144, Rio de Janeiro, RJ, tel. 0/xx/21/ 2240-0226).
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