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Alain Touraine
Da dominação econômica à política guerreira
Sharon ordenou ao Tsahal (Exército israelense) que destruísse toda a
infra-estrutura do que poderia vir
a ser um Estado palestino. Arafat é
prisioneiro e a extrema direita israelense
não esconde sua intenção de restabelecer
uma plena soberania de Israel do Jordão
até o mar.
Nessas condições, a proposta feita pelo
secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, de realizar uma conferência internacional não pode mais ser vista como
uma solução real e pode mesmo ser interpretada como uma nova forma de
apoio à política de Sharon. Pois o que pode significar uma conferência sobre a Palestina sem os palestinos, e na qual os Estados Unidos e seu aliado israelense decidiriam sozinhos objetivos capazes de
restabelecer a paz?
Dois perigos
Essa política comporta
dois perigos, o segundo deles ainda mais
grave que o primeiro. Este é evidentemente o prosseguimento da violência,
alimentada pelo desespero da população
palestina humilhada pelo que lhe é imposto. O segundo é a transformação da
força econômica dominante dos EUA
numa política propriamente guerreira
de hegemonia.
Estamos habituados, de dez anos para
cá, a criticar o poder de um sistema econômico mundial dominado pelos Estados Unidos, mas essa crítica não pode ser
dirigida unicamente nem mesmo em
primeiro lugar contra os Estados Unidos. Todos os países onde a democracia
é frágil ou ausente e onde a economia sofreu uma grave crise são responsáveis
por esta. O Japão e a Rússia, ontem, ou a
Indonésia, anteontem, foram e são os
principais culpados nas crises financeiras que os atingiram.
Não existe nenhuma lógica econômica
que imponha suprimir todos os controles sociais e políticos da economia. Ao
contrário, o pensamento econômico reconhece o papel crescente, predominante mesmo, dos fatores sociais e políticos
do crescimento econômico.
O fato de o sistema econômico ser amplamente dominado por empresas e
bancos norte-americanos não impede
que um capitalismo extremo, na forma
de um liberalismo sem limite, seja de fato
o inimigo real de todos os que se opõem
à globalização, mais ainda que o Estado
norte-americano.
Mas, depois de 11 de setembro, a imagem e o papel dos Estados Unidos mudaram. Além de serem os mestres da economia mundial, eles se tornaram uma
potência guerreira engajada, pelo presidente Bush, numa ofensiva armada contra o terrorismo, palavra pela qual são
designados todos aqueles que o presidente dos Estados Unidos considera como inimigos perigosos para o poder militar e político de seu país.
Seguramente poder econômico e poder militar jamais estão completamente
separados, mas eles possuem também
lógicas diferentes. Sabemos disso claramente quando falamos de Napoleão, de
Stálin ou de Hitler. A colonização européia no século 19 teve às vezes, em particular na Indonésia, razões de ser antes de
tudo econômicas; mas, noutros casos, o
da colonização francesa em particular, a
ação dos colonizadores não foi dirigida
pela busca do lucro, e sim pela do poder e
pela concorrência entre os principais
países europeus.
A lógica que domina a política norte-americana mudou de natureza: ela se
tornou diretamente militar, ao mesmo
tempo conquistadora e disposta a destruir pela força o que lhe resiste. Terrorista é Bin Laden, terroristas são não apenas os camicases palestinos mas todos os
palestinos: terrorista é também o Iraque,
detentor de armas secretas, e, por que
não, igualmente o Irã, que no entanto
apoiou a intervenção norte-americana
no Afeganistão, ou a Somália, que humilhou o exército norte-americano.
Leão mordido
Em tal lógica de guerra, não há lugar para os neutros e para os
mediadores. A União Européia, que financia em boa parte a Autoridade Palestina, está reduzida ao silêncio e afastada
do projeto americano de conferência internacional sobre a Palestina. Quanto à
América Latina, sua situação econômica
já lhe tirou a palavra, e nenhum país poderá resistir à Alca (Associação do Livre Comércio das Américas), apesar das tentativas do Brasil, enfraquecido agora pela crise argentina e pelo desaparecimento
de fato do Mercosul. Será preciso esperar
a ascensão como potência política e militar da China, atualmente já a segunda
potência econômica mundial, para enfrentar a hegemonia militar norte-americana e resistir à lógica propriamente
guerreira da política escolhida pelo presidente Bush?
Somente agora compreendemos em
que sentido o 11 de setembro de 2001
marcou o começo de uma nova era para
os Estados Unidos e o mundo inteiro. Os
Estados Unidos triunfantes das presidências Clinton, dominadores mas também relativamente liberais e, em particular, interessados na busca de paz no
Oriente Médio, foram substituídos por
um país que ruge como um leão mordido por um animal menor que ele. E essa
política orgulhosa e violenta de Bush é
sustentada por grande parte da opinião
norte-americana, a tal ponto ser impossível aos moderados não se juntarem à
denúncia de um terrorismo transformado numa força presente em todas as partes do mundo.
Descobrimos, de repente, que o poder
norte-americano não tem limites. Era
aceitável que os Estados Unidos perseguissem seus adversários no Afeganistão, onde o regime dos talebãs provocava
ao mesmo tempo uma rejeição espalhada em muitas partes do mundo. Mas, no
Oriente Médio, quem pode afirmar que
os autores dos atentados suicidas fazem
parte do exército de Bin Laden?
Agora, a ameaça principal não vem
mais de um sistema econômico, mas de
uma política guerreira que pode criar, à
força de provocações, um corte completo e sangrento entre o bloco norte-americano e um mundo islâmico esgotado por
seus próprios fracassos, com frequência
pelos regimes aos quais se submeteu, e
em toda a parte pelas humilhações que
sofreu.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de, entre outros, "A Crítica da Modernidade"
(ed. Vozes).
Tradução de Paulo Neves.
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