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"A Linha Que Nunca Termina", a ser lançado até o final deste mês, reúne artigos
e depoimentos sobre a obra do poeta Paulo Leminski, que estaria fazendo 60 anos
O objeto verbal em estado puro
Luiz A. Novaes/Folha Imagem
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O poeta Paulo Leminski (1944-89), autor de "Catatau" |
Paulo Franchetti
especial para a Folha
Se estivesse vivo, Paulo Leminski teria completado, em agosto, 60 anos
de idade. É esse o motivo explícito
da publicação de "A Linha Que
Nunca Termina - Pensando Paulo Leminski", volume de homenagem que contém
artigos e depoimentos sobre o autor de
"Catatau" bem como poemas a ele dedicados. Composto de 44 textos, um para cada
ano de vida do poeta, o volume reúne 43
colaboradores, a maior parte na casa dos
30 e dos 40 anos de idade.
Na apresentação, afirma-se que foram
convidadas pessoas que "estavam, de algum modo, ligadas à obra do autor". Mas o
recorte deve ser outro, porque não comparecem no livro alguns nomes fundamentais, como, por exemplo, Régis Bonvicino e
Leyla Perrone-Moisés, largamente referidos ao longo dos textos. Tampouco comparecem, para só mencionar alguns nomes, Wilson Bueno, Bóris Schnaiderman,
Décio Pignatari, Regina Silveira, Josely
Vianna Baptista, Silvio Back, pessoas que,
ligadas de uma forma ou outra à vida e à
obra de Leminski, certamente enriqueceriam o volume do ponto de vista da crítica
ou do depoimento.
Seja pelo recorte dos colaboradores, seja
por qualquer outra limitação, o certo é que
o seu objetivo -segundo os organizadores, "lançar uma nova visão crítica sobre a
trajetória artística de Leminski"- não se
cumpre.
Comoventes, comovidos
Do ponto
de vista crítico, dois dos bons momentos
do livro não nasceram dessa vontade de
homenagem, pois foram recolhidos de publicações anteriores: um breve texto de
Frederico Barbosa, de 1990, e um de António Risério, de 1989. Outros momentos em
que a leitura se faz com prazer se devem a
Carlos Ávila, Delmo Montenegro, Ricardo
Silvestrin e Reynaldo Damazio. Nos demais, o leitor apenas se vai deparar com
uma série de textos anódinos ou francamente ruins, alguns comoventes, outros
comovidos, mas nenhum de fato significativo para a fortuna crítica de Leminski.
Nos depoimentos, destacam-se pelo menos dois textos: o assinado por Neuza Pinheiro, limpo e comovente na sua simplicidade desarmada; e o de Nelson de Oliveira, inventivo, elegante, o único convincente na reivindicação explícita da herança e
da filiação leminskiana.
Nos poemas, não há praticamente destaques. Exceto talvez, pela assinatura, o poema que Haroldo de Campos incluiu em
"Crisantempo". Nos demais, o estilo de Leminski aparece quase sempre ostensivamente glosado, sem sustos nem novidade.
Embora a glosa seja responsável pela palidez das homenagens poéticas, quando
percorri pela segunda vez os ensaios cheguei a lamentar que ela não se estendesse
ao discurso ensaístico ou analítico dos que
o têm por guia e ideal. Porque a larga maioria dos artigos reunidos por Dick e Calixto
neste volume não parece modelar-se ou
inspirar-se na vivacidade nervosa e onívora da prosa de Leminski. Pelo contrário, a
começar pelos dois longos textos do próprio Dick, a matriz da maioria dos ensaios
é justamente o que eles mesmos proclamam como o antípoda e adversário contumaz do mestre: o discurso acadêmico.
Paródia involuntária
Talvez porque
o objetivo seja uma espécie de "fazer justiça", a incorporação do estilo acadêmico e
sua aplicação na forma de homenagem
produz apenas uma paródia involuntária e
algo tosca do discurso universitário, que se
exibe no livro centrada em dois pólos de
tensão: de um lado, o traço grosso do contextualismo historicista; de outro, o estilo
tortuoso, "ensaístico", cuja fonte me parece remotamente benjaminiana.
A modulação entre esses extremos produz uma gama variada de trabalhos desinteressantes, da ecolalia de curto fôlego assinada por Cláudio Daniel aos vários trabalhos estilo fim-de-curso, dentre os quais se
destaca, modelar, a primeira parte do assinado por Ademir Assunção.
Mas, se a leitura é, em geral, tediosa, há
por certo um ponto ao menos de interesse
na freqüentação do livro: o seu caráter de
exemplo do ponto baixo em que se situa a
média do discurso crítico brasileiro. Especialmente o praticado por escritores. Recusado, ao menos no nível do slogan, o "acadêmico", recusado também o exercício da
crítica como atividade valorativa, nada resta senão patinar no já conhecido.
Nesse sentido, o livro corresponde a um
movimento forte da crítica brasileira contemporânea: a substituição da reflexão
conseqüente e da avaliação crítica pela
simples ocupação do espaço na mídia ou
na estante da livraria. Assim, tanto faz se o
texto é anódino, simplesmente vago, ou se
ainda tropeça nos conceitos como na sintaxe: uma vez demitido o julgamento ou a
consideração efetivamente crítica, a ocupação do espaço público é o único ato que
de fato importa.
Da leitura, entretanto, é possível concluir
algo de interesse para a história da recepção de Leminski. Primeiro, que a sua prosa
começa a receber mais atenção ou a ser
mais louvada do que a sua poesia. Segundo, que segue firme a interpretação do sentido maior da sua obra como uma via de
compromisso entre a fabricação objetiva
do poema, sua apresentação como puro
objeto verbal, e o apelo à vida como poesia
e à poesia como vida. Uma espécie de terceira baliza, entre o construtivismo concretista e o confessionalismo da "poesia
marginal".
Mas a transição do foco de interesse da
poesia para a prosa não se faz, ao longo do
volume, por meio da análise dos limites
atuais da poesia de Leminski. Tampouco
se faz com novas abordagens críticas que
permitam compreender, além das reafirmações da filiação joyciana e do radical experimentalismo, o que hoje, nessa prosa,
atrai mais o leitor. Faz-se, isso sim, da mesma forma que o livro: ao sabor de eleições
de gosto e de uso, como na moda. E o que
parece estar entrando agora na moda, a
julgar por esta homenagem, é a louvação
do caráter vanguardista da prosa, e não
mais da poesia, de Paulo Leminski.
Paulo Franchetti é professor de teoria literária na
Universidade Estadual de Campinas e autor de, entre
outros, "Nostalgia, Exílio e Melancolia - Leituras de
Camilo Pessanha" (Edusp).
A Linha Que Nunca Termina
Nº de págs. e preço não definidos
Fabiano Calixto e André Dick (orgs.). Ed.
Lamparina (r. Joaquim Silva, 98, 2º andar,
CEP 20241-110, RJ, tel. 0/xx/21/2232-1768).
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