|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O jogo das subjetividades convergentes
free-lance para a Folha
O crítico de arte Fernando Cocchiarale, curador-geral
do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, aponta
fragilidades no discurso dos novos grupos de artistas e
detecta pulsões agressivas em suas propostas.
(JM)
Que pontos de contato o sr. vê (se é que existem) entre
essas manifestações e a arte política dos anos 70?
Se os grupos nos anos 70 se formavam em torno de
questões reais que a todos afetavam (a ditadura, por
exemplo), atualmente eles se formam por uma espécie de empatia inter-subjetiva (que revela e traz à tona a crise do sujeito no mundo contemporâneo), cujo ritmo e configuração possuem uma fragilidade
muito maior do que a forjada em torno de objetivos
concretos coletivos. A fragilidade dos compromissos
permanentes com idéias ou causas no cotidiano
contemporâneo, sua configuração híbrida e mutante, guarda uma evidente relação com a nova realidade, tecida em rede, na qual relações são refeitas continuamente a partir de novas conexões.
A que atribui o surgimento de tantos grupos?
A consolidação da democracia no Brasil combinada
com as questões essenciais do mundo contemporâneo aponta não mais para objetivos comuns a grandes grupos, antes representado pela utopia socialista, mas para aquilo que Foucault chamou de micropoderes. A luta social passa agora pelas inúmeras esferas constituídas por campos profissionais específicos ou por estamentos e minorias. Essa fragmentação de objetivos gera não só uma dispersão na esfera do sujeito como também na do objeto político. No campo das artes a subjetivação não se manifesta apenas no eixo da produção, mas no âmbito institucional. A existência de novos agentes como o curador (cuja subjetividade pode resultar no agrupamento de artistas em torno de temas e questões que
os artistas não formularam) geram fatalmente uma tensão entre esses poderes. Não há nada de errado nisso. Ainda não possuímos um novo repertório ético, político e estético que substitua o velho repertório das grandes utopias coletivas do passado. Como a instância política, que no passado se opunha
por seu caráter objetivo à subjetividade (separação
entre público e privado), se confunde, hoje, com práticas e expectativas subjetivadas (uma espécie de
neovoluntarismo), os objetivos das ações críticas de
alguns artistas parecem ser fruto de pulsões agressivas, e não de objetivos claros que ampliem a base de
apoio para o sucesso desses objetivos.
Mais fundamental do que a consequência de suas
propostas é o microespaço de sociabilidade interno
às conexões que configuram, ainda que temporariamente, esses grupos. Desse ponto de vista o surgimento de tantos grupos de artistas e espaços independentes implica uma estratégia de inserção e visibilidade para o trabalho fundada numa sociabilidade possível entre subjetividades convergentes. Dificilmente essas alternativas substituirão a objetividade do mercado e do circuito de arte, mas os melhores artistas desses grupos têm por destino um lugar certo nas instituições que, agora, tanto criticam.
Texto Anterior: A explosão do a(r)tivismo Próximo Texto: os a(r)tivistas Índice
|