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A gula das metrópoles
PARA CAROLYN STEEL, EVOLUÇÕES URBANA E AGRÍCOLA ABOLIRAM A IDÉIA DE CIDADES AUTO-SUFICIENTES E POTENCIALIZARAM O CONSUMO E O DESPERDÍCIO; URBES PRECISAM VOLTAR A TER RELAÇÃO COM A NATUREZA, DEFENDE A ARQUITETA
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
A fome das grandes
cidades por cada
vez mais comida,
sem nem ter idéia
de sua origem e de
como é feita, criou um novo
modelo mundial que agora está
estourando justamente nos
cantos mais pobres do planeta,
os mais afetados pela alta global dos preços dos alimentos.
Isso é o que defende a pesquisadora Carolyn Steel, que
passou a última década estudando o assunto.
Autora do recém-lançado
"Hungry City - How Food Shapes Our Lives" (Cidade com
Fome - Como a Comida Define
Nossas Vidas, ed. Chatto &
Windus, 400 págs., 12,99, R$
41, Reino Unido), Steel afirma
que a evolução das cidades e da
agricultura industrial alteraram a relação entre o homem e
a comida.
Com os avanços tecnológicos
e nos transportes, os alimentos
deixaram de ser produzidos
próximos das cidades e agora
podem vir de qualquer lugar do
mundo. Assim, quem vive em
metrópoles como Londres, Nova York ou São Paulo não imagina que o bife que está mastigando teve de vir de uma vaca
criada em algum lugar distante.
Essa desconexão, que Steel
chama de "era não-geográfica"
da alimentação, se expandiu
pelo mundo nas últimas décadas. E no momento em que o
preço da comida está subindo
vertiginosamente em todo o
mundo, quem irá passar fome,
segundo ela, serão os mais pobres -que também perderam
essa relação próxima com a
produção da alimentação, mas
não têm dinheiro para comprar
a refeição que vem de longe.
Para Steel, a solução é conter
o desejo do mundo desenvolvido por cada vez mais comida e
voltar a regionalizar a produção de alimentos, respeitando
as estações do ano e as características dos países -algo que
ela considera como o início da
"era neogeográfica". A seguir,
trechos da entrevista.
FOLHA - A sra. diz que o pedaço de
carne que colocamos na boca durante a refeição deixou de ter relação,
em nosso imaginário, com o animal.
Como se chegou a esse ponto?
CAROLYN STEEL - O modo como
Paris e Londres cresceram possibilita uma comparação interessante, pois o modo como essas duas cidades se alimentaram ao longo da história diz
muito sobre o mundo de hoje.
Londres fica às margens de
um rio navegável, e desde o século 18 as plantações já estavam distantes da cidade, pois
era muito fácil transportar
grãos pelo mar.
Já Paris viveu uma situação
oposta, já que o Sena não é navegável. Logo, o mercado de
grãos sempre foi altamente regulado, e toda a região ao redor
da cidade era controlada, porque era de lá que vinha a comida. Assim, em Londres, foi o livre comércio que garantiu a alimentação. Em Paris, foi o governo. Quando faltou comida, o
rei caiu e houve a revolução
[em 1789].
O que é interessante é que
desapareceu a idéia segundo a
qual as cidades deveriam ser
auto-suficientes, e o modelo
londrino se tornou dominante
globalmente. Existe uma consciência de que nós não conseguimos produzir nossos alimentos, mas isso deixou de ser
importante, porque podemos
contar com o que vem de fora,
de todos os cantos do mundo.
FOLHA - E qual é a conseqüência?
STEEL - Nós chegamos a uma
era não-geográfica, em que a
produção industrial de alimentos tornou possíveis imensas
cidades, que podem ser erguidas em qualquer lugar.
Antes do século 18, o tamanho e a localização das cidades
eram limitados.
O interessante é que estamos
entrando numa era em que a
geografia voltou a ser importante, voltou a contar, uma era
neogeográfica: a preocupação
com a água é cada vez mais destacada, e 95% da produção de
comida -com fertilizantes,
máquinas e transporte- depende do petróleo, que é finito.
Globalmente, o processo de
mudança climática colocou isso em evidência, associado a
um modelo de produção de comida que não é racional no que
diz respeito ao uso da terra.
Pegue-se o atual debate sobre produção orgânica versus
produção industrial de alimentos. Há pessoas que dizem que a
produção industrial é muito
ruim, mas, por outro lado, não é
possível alimentar o mundo só
com produtos orgânicos -e o
pior é que, enquanto isso, vamos seguindo o rumo atual,
sem mudanças.
Temos de encontrar um terceiro caminho, temos de entender que o solo é um recurso finito, assim como a energia.
FOLHA - Mas como, já que o o mundo precisa ser alimentado?
STEEL - Nossa posição em relação à natureza produtiva é a de
não a vermos como natureza
propriamente dita, mas como
uma fábrica. Um campo de soja,
de grãos, é tratado como uma
fábrica de sementes.
Parte do problema é que não
vemos isso como a parte da natureza com a qual nos preocupamos. Precisamos voltar a
aproximar essas duas visões de
natureza. Os Alpes são lindos,
mas a plantação que nos alimenta também.
Em vez de viver na terra e
com ela, nós vivemos "da" terra. É aquilo que chamo de "paradoxo urbano": apesar de morarmos em cidades, ainda vivemos da terra, tanto quanto nossos ancestrais. Precisamos
aproximar essas visões.
FOLHA - Quais são as conseqüências do modelo "não-geográfico"?
STEEL - As pessoas já estão passando fome, e a situação deve
piorar -essa é a parte mais trágica. As grandes corporações
alimentícias, que se desenvolveram com o beneplácito e o estímulo dos governos ocidentais, estão tomando conta de todo o mercado.
Com a industrialização, existe uma grande concentração de
toda a produção e distribuição
nas mãos de poucas e poderosas corporações, sobre as quais
sabemos muito pouco. Com isso, a agricultura de menor escala está desaparecendo, tanto
pela competição como por se
tornar refém dessas grandes
empresas transnacionais.
Para os africanos, a alimentação sempre dependeu da distribuição de comida por parte de
entidades assistenciais, e nunca se pensou decididamente
em ajudá-los a produzir.
O continente não caminha
para a auto-suficiência, mas,
sim, na direção oposta.
É claro que muitos países
africanos sofrem com a falta de
água, mas a situação não precisava ser tão ruim quanto é. Regiões inteiras se tornaram dependentes desse modelo, e agora a ONU não consegue alimentar essas pessoas porque o preço da comida subiu.
FOLHA - Mas então que soluções a
sra. aponta?
STEEL - A produção precisa se
regionalizar de novo. O Reino
Unido não poderia produzir todos os seus alimentos, nem se
quisesse, mas, em vez de importar do Quênia todos os feijões que consome, o país poderia produzi-los.
E também temos de respeitar as estações do ano. Claro,
não há problema em importar
bananas do Caribe ou do Brasil,
pois temos de respeitar as características locais dos países.
Mas não devemos determinar que parte do mundo tem de
produzir um tipo de alimento
que não tem nada a ver com esses países, só para alimentar alguém na outra metade do planeta que gosta daquilo.
Precisamos de uma cidade
que volte a ter um elo com o
mundo natural, com áreas produtivas dentro delas.
Enquanto isso parecer uma
luta, não estaremos investindo
nossos melhores recursos na
busca de energia sustentável,
assim como também não estaremos investindo nossos melhores recursos na busca de alimentação sustentável.
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inglês podem ser encomendados no
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