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Santo grão
A FILÓSOFA MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO ATACA POLÍTICA DO GOVERNO LULA PARA A ÁREA AGRÍCOLA
Rafiqur Rahman - 19.nov.07/Reuters
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Sobreviventes de ciclone em Bangladesh que matou mais de 3.000 pessoas aguardam por comida
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
A alta dos preços dos
alimentos no Brasil
não é uma contingência, mas uma
conseqüência da estrutura produtiva brasileira
que só tende a piorar, diz Maria
Sylvia Carvalho Franco.
Ao mesmo tempo em que
confessa seu pessimismo, a
professora titular de filosofia
da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
diz à Folha que o processo só
pode ser revertido com força
política, algo que ela não vê no
governo federal.
Mas a autora de "Homens Livres na Ordem Escravocrata"
(ed. Unesp) admite que, enquanto esse processo não gerar
níveis extremos de pobreza e
fome, dificilmente terá conseqüências na eleição dos próximos governantes.
FOLHA - A inflação dos alimentos é
o principal revés do governo Lula?
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO -
Do ponto de vista mais aparente, poderia dizer que sim. Mas
revés mesmo são os bilhões
sendo usados para pagar especuladores. São bilhões que não
são aplicados na produção.
FOLHA - O governo mantém as políticas agrícolas e aumentou os créditos do agronegócio em 12% em
relação à última safra. Isso é suficiente para evitar uma crise?
CARVALHO FRANCO - Não. É um
complexo de elementos interligados: há favorecimento ao
agronegócio, uma política
constante que beneficia uma
agricultura expansiva, de grandes espaços de terra -como
aconteceu com o café, que esgotou grandes regiões.
Essa tem sido a história do
Brasil, a de uma monocultura
atrás da outra. A terra é finita, a
água é finita, os recursos marinhos também. O Brasil quer
um lucro infinito a partir de recursos finitos. Além das crises
periódicas, isso acaba se tornando inviável.
FOLHA - A limitação do espaço, em
um cenário de alta demanda da produção de biocombustíveis, é apontada como um fator de pressão sobre os preços de alimentos. Essa é
uma condição inevitável?
CARVALHO FRANCO - Não deveria
ser. Num país do tamanho do
Brasil, bastaria uma utilização
mais racional da terra, não depositar o destino do país na monocultura.
Mas nunca tivemos ocupação racional da terra.
A agricultura em larga escala
tem efeitos colaterais de outras
coisas em grande escala.
[O economista, 1907-1990]
Caio Prado Jr. mostra bem como a produção de cana na região Norte levou à produção,
também em grande escala, de
gado, de modo a suprir a necessidade da escravaria. E novamente temos a produção concentrada em um ponto só e o desleixo com o resto. O resultado é a fome.
E o que o Fome Zero resolve?
Nada. É solução popularesca,
que não leva em conta diversos
elementos de ordem interna e
externa: os países europeus estão se protegendo, lançando
mão de tarifas.
FOLHA - Dadas as condições do comércio internacional, é possível a
produção local apresentar preços
competitivos?
CARVALHO FRANCO - Isso depende do sistema portuário, que no
Brasil não é bom. O transporte
é caríssimo.
Desde Juscelino [Kubitschek] ocorre a simbiose entre
governo e construtoras que liqüidou o sistema ferroviário e
estabeleceu a enorme rede rodoviária, o que leva a um transporte caríssimo, altamente
sensível a qualquer variação no
preço do combustível -isso encarece alimento e tudo o mais.
O desenvolvimento fictício,
de vitrine, a partir de Juscelino
pede outros investimentos
enormes. O que não vai custar o
Rodoanel [em torno da cidade
de São Paulo]?
E ele é necessário, pois a cidade é abastecida por caminhões. E irá engolir dinheiro de
tudo o que é lado do Estado
-universidades, saúde, educação em geral.
Você tem de um lado o governo dando a mão ao grande capital e, de outro, aos miseráveis
que esse capital ajuda a criar.
FOLHA - O governo federal anunciou um pacote nesta semana segundo o qual o agronegócio contará
com R$ 65 bilhões em créditos, e a
agricultura familiar, com R$ 13 bilhões. Como avalia o investimento
na agricultura familiar?
CARVALHO FRANCO - É muito
pouco. Ouvimos notícias de pequenos produtores plantando
mamona para terem renda familiar. Há, sim, investidores estrangeiros comprando sítio
atrás de sítio para produzir
combustível no Nordeste.
Lula não tem força política
para impor uma mudança de
perspectiva nos rumos da economia brasileira.
Ele faz algumas coisas, como
o aumento do salário mínimo,
nós precisamos reconhecer.
Mas não tem força na tal "base", comprada, e os partidos
não assumem uma atitude
mais coletiva -essa idéia é
muito difícil de aparecer no
Brasil. As vidas pública e privada são muito misturadas.
FOLHA - A alta dos alimentos terá
influência nas próximas eleições?
CARVALHO FRANCO - Acho que
não chega até lá. A máquina de
propaganda não deixa. Desde
que o mundo é mundo a palavra
é uma arma política poderosa.
E não tem máquina mais azeitada do que a do governo Lula.
Só chega às eleições se houver fome de verdade. Estamos
longe da situação da África, felizmente, por isso o colchão da
propaganda deve sustentá-lo.
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