São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003 |
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SOB A SOMBRA DE PLATÃO
1.
Sem dúvida, Platão. Entendo que a influência
exercida por um filósofo deva ser avaliada não pelo
número de vezes que ele é citado (ou invocado), mas
pelo tanto que ele permanece presente, mesmo que silenciosamente, determinando os caminhos ou descaminhos do nosso pensar. Daí, Platão.
Não penso aqui em Platão enquanto criador de uma
filosofia, mas Platão enquanto autor do próprio projeto
filosófico. Esse projeto permite a passagem da opinião
(doxa) para o conhecimento (episteme) ou permite retirar o saber do registro da certeza subjetiva (opinião) e
construir no seu lugar a verdade objetiva (conhecimento). Não que a opinião seja em si mesma errada ou falsa,
mas lhe falta um princípio de legitimação. O que a sustenta é a certeza subjetiva do sujeito (o dono da voz), da
sua capacidade de persuasão, das suas habilidades retóricas ou até mesmo da violência. Com a opinião, não somos condenados necessariamente ao erro, somos lançados no desamparo.
O projeto platônico é o de substituir a opinião pelo
conceito. Platão inventa o conceito e, ao fazê-lo, inventa
a filosofia. Ele acredita que o único meio de ultrapassar
a subjetividade da opinião é constituindo um discurso
que contenha seu próprio critério de validade, um discurso autolegitimado, sendo essa autolegitimação fundada na não-contradição. Esse foi o momento de nascimento da razão conceitual regida pelo princípio da
não-contradição; e o discurso assim constituído chamou-se discurso filosófico. Ocorre que, ao afirmar a autonomia do discurso universal fundado na razão conceitual, ele acredita poder realizar esse projeto independentemente da experiência, ou melhor, pretende realizá-lo por meio de um progressivo afastamento da experiência sensível em direção ao inteligível puro. Ao fazê-lo, inicia o movimento do pensamento em direção a um
mundo de puras formas: uma realidade meta-física. Está criada a transcendência.
Os 23 séculos que vão de Platão a Hegel cobrem o processo de realização do projeto platônico. É à medida
que transitamos por esse espaço de questões que podemos ser considerados platônicos lato sensu mesmo que
não o sejamos stricto sensu. No interior desse espaço, a
influência de Platão é plena.
Luiz Alfredo Garcia-Roza é escritor e professor na pós-graduação em teoria psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor de "Introdução à Metapsicologia Freudiana" (três volumes, Jorge Zahar) e "Uma Janela em Copacabana" (romance, Cia. das Letras). Texto Anterior: Ernildo Stein: Uma ponte entre a consciência e o mundo Próximo Texto: saiba + Índice |
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