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LUTA DE CLASSES NA LONA
BOXE É UM APRENDIZADO NOTÁVEL DA TÉCNICA
DE ESQUIVAR E PREPARA O INDIVÍDUO PARA SE DEFENDER
DIANTE DAS SITUAÇÕES MAIS CRÍTICAS DA VIDA
por Eduardo Suplicy
Dos 8 aos 12 anos passei
quatro férias de verão
no acampamento Paiol
Grande, em Campos do
Jordão [SP]. Ali conheci o boxe.
Praticava outros esportes, como
todos os meninos dessa idade,
mas achei que o boxe poderia dar
mais instrumentos para minha
defesa pessoal. Higino Zumbano,
tio do campeão Eder Jofre, era o
treinador. Dei-me bem e tornei-me campeão da categoria leve.
Já adolescente, conheci o ex-campeão amador Lúcio Inácio da
Cruz por intermédio do meu cunhado Aguinaldo de Araújo
Góes. Lúcio passou a ser meu
treinador e amigo. Treinei com
ele dos 15 aos 21 anos. O porão de
minha casa se transformou numa
pequena academia. O treino de
boxe é muito especial. Fez-me
bem para o resto da vida. Pulava
corda. Fazia ginástica tipo sueca,
saía para correr no parque, fazia
rounds com sacos de areia, "punching-ball", sombra e finalmente
luvas, ou seja, o treinamento com
os adversários. Aprendi também
o segredo do relaxamento.
Levava jeito. Lúcio começou a
ficar entusiasmado. Levava-me
para as academias, onde fiz luvas
com pugilistas da época, como
Eder Jofre, Fernando Barreto,
Paulo de Jesus, Milton Rosa,
Abrão de Souza e tantos outros.
Em 1962 participei do campeonato de estreantes de "A Gazeta
Esportiva". O ginásio Wilson
Russo estava lotado, umas mil
pessoas, entre elas meus amigos e
amigas da GV [Fundação Getúlio
Vargas], do Harmonia, do Paulistano. No vestiário Lúcio disse:
"Não vá se impressionar com o
tamanho do negrão que vai ser
seu adversário".
Ao entrar no ringue senti a vibração da torcida na mais autêntica luta de classes: "Acaba logo
com esse filhinho de mamãe".
Começamos a luta dando tudo.
De repente, Jorge J. Santos me
acerta um direto no queixo. Fui à
lona. Olhei para Lúcio. Ele me
deu o sinal para que eu aguardasse a contagem, me acalmasse e
daí fizesse o que eu sabia. Já ao final do primeiro round a luta estava equilibrada, com o público
torcendo muito.
No segundo round me animei e
aprimorei minha técnica.
Derrubei meu adversário por
duas vezes. No dia seguinte "A
Gazeta Esportiva" deu com destaque: "Eduardo Matarazzo Suplicy sai da lona para ganhar por
nocaute". O público vibrou, carregou-me no colo.
A luta seguinte foi no Tênis Clube, num ginásio bem maior, com
transmissão pela TV, contra Getúlio Veloso, índio do Amazonas.
Aumentou a responsabilidade.
Na véspera surgiram umas bolhas na língua, tive febre. Era pela
tensão. Lotou. Meu pai, irmãos e
amigos foram com máquina fotográfica. A luta foi equilibradíssima e dura, com ambos os adversários desferindo socos contundentes, mas não houve quedas nos três assaltos. Percebi que
o boxe é um esporte que pode
machucar para valer. No final o
juiz levantou meu braço, dando-me a vitória por pontos, 2 a 1, segundo os jurados.
Dois dias depois fui chamado à
sede da Federação Paulista de Pugilismo. Disseram-me que um
dos jurados havia se enganado na
papeleta e escrevera o número de
pontos de um jeito e colocora o
nome do vencedor de outro. Portanto, eu teria perdido. Estranhei
o procedimento e propus nova
luta. Mas deram a vitória a Getúlio. Decidi então me dedicar intensamente a outras lutas pela vida. Mas o boxe foi um aprendizado notável da técnica de esquivar,
dançar, golpear, estar preparado
para se defender diante das mais
difíceis situações da vida.
Ensinou-me também a me
manter em bom estado físico, o
que é sempre bom para a mente e
a alma.
Eduardo Matarazzo Suplicy é professor de economia na Fundação Getúlio
Vargas (FGV-SP) e senador da República
(PT-SP). É autor de "Renda de Cidadania"
(ed. Perseu Abramo).
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