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A ERA DA INCERTEZA
Filmes de espionagem tiveram seu maior boom com o nazismo e comunismo, atraindo diretores como Hitchcock, mas a maior transformação do gênero ocorreria com o surgimento de James Bond nos anos 60
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Inácio Araujo
Crítico da Folha
Espiões, seres ambíguos por excelência, se dão
bem com a imagem cinematográfica, ela também carregada de ambiguidade. São seres quase sempre duplos, assim como as imagens, que sempre transmitem mais de um sentido.
Tomemos um dos mais ilustres deles, Philipp Vandamm, interpretado por James Mason, em "Intriga Internacional" ("North by Northwest", 1959). Esse homem poderia transitar em qualquer ambiente, com sua
elegância, finesse e cortesia.
No entanto, no filme de Hitchcock, Thornhill é um espião com intenções sinistras, embora nem saibamos ao
certo a quem serve. Basta saber que serve a alguém e
que sua capa de civilidade é antes de tudo um disfarce.
Se observarmos seu rosto com atenção, veremos que a
crueldade é tão presente ali quanto o cinismo e a perversidade. Além de Hitchcock, outro mestre do cinema
que se dedicou com intensidade ao gênero foi Fritz
Lang. Se Hitchcock colocava a ênfase sobretudo nos
personagens, a Lang interessavam antes de tudo as situações, isso desde o cinema mudo, quando fez "Spione" (1928): ali, como em boa parte dos filmes de Lang
dos anos 20, a pretensão de um homem de tomar conta
do mundo é o centro dos acontecimentos.
O nazismo, primeiro, e o comunismo, em seguida, foram os grandes incentivadores do gênero. Hitchcock
dizia que a Guerra Fria era, para ele, uma mão na roda, à
medida que lhe propiciava a atmosfera de incerteza em
que ambos, público e personagem, são jogados nesses
filmes, ainda que não raro seja quase indiferente saber
para quem trabalham os espiões (é assim em "Os 39 Degraus", também de Hitchcock, feito na Inglaterra, antes
da Segunda Guerra, por exemplo). No período do chamado esforço de guerra, no entanto, esses espiões são,
inequivocamente, infiltrados a serviço da Alemanha
(como em "O Sabotador", de 1942).
A Guerra Fria motivou alguns belos trabalhos, ainda
no período da "caça às bruxas", nos EUA, começando
por "Anjo do Mal" ("Pickup on South Street", 1953), de
Samuel Fuller, em que um batedor de carteiras se apossa inadvertidamente de preciosos microfilmes destinados a um espião soviético. A rede de espionagem russa pinta e borda, na tentativa de reaver as preciosas informações ali contidas.
Esse clima de incerteza, a insegurança sobre quem é,
verdadeiramente, a pessoa ao nosso lado, favorecia de
maneira impressionante os filmes de espionagem. E o
espião nem sempre era um inimigo: o Paul Newman de
"Cortina Rasgada" ("Torn Curtain",1966, de Hitchcock) é um cientista americano que se infiltra na Alemanha Oriental em busca de uma complexa fórmula.
A história do filme de espionagem foi mudada para
sempre, para o bem ou para o mal, desde que James
Bond entrou em cena, em 1962, na pessoa de Sean Connery, dando ao espião o estatuto de aventureiro charmoso, capaz de enfrentar os perigos mais implausíveis sem perder a pose e, com igual desenvoltura, conquistar
todas as garotas ao seu redor.
Se Bond colocou os espiões na moda, como esperar
que Jean-Luc Godard deixasse passar o fato em branco?
Também ele criou seu agente secreto, o Lemmy Caution (Eddie Constantine) de "Alphaville" (1965). Na
verdade, trata-se de um espião a serviço dos "países exteriores" que defende, em última análise, a poesia do
mundo contra a ditadura tecnocrática de Alphaville
(uma espécie de somatória de EUA e URSS). Bem à moda de Godard, no entanto, Caution é uma mistura de
jornalista, agente secreto e espião, assim como a espionagem é um pretexto num filme com aspectos de ficção
científica e policial "noir".
Com o fim da Guerra Fria, a importância da espionagem perdeu intensidade, e passaram a pontificar quase brincadeiras, como "Missão Impossível", de Brian de
Palma, que resgata uma antiga série de TV, ou "Homens de Preto", de Barry Sonnenfeld, este último misturando também ficção científica e comédia. Agora como antes, raras vezes o cinema soube ver a espionagem como realmente é, ou seja, um negócio sujo e ingrato. Uma exceção a notar: "O Espião que Saiu do Frio" (1965), de Martin Ritt.
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