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+ filosofia
Apoio a uma ação militar contra o terror exige repensar os fundamentos legais
que permitem matar não-combatentes, como em guerras ou em legítima defesa
Os efeitos colaterais da moral
Thomas Nagel
especial para a Folha
Pessoas do mundo inteiro reagem
com horror visceral aos ataques
contra civis praticados pela [rede
terrorista] Al Qaeda, por homens-bomba palestinos, separatistas bascos ou
tchetchenos ou por militantes do IRA
(Exército Republicano Irlandês). Talvez
seja o momento de abordar uma questão
fundamental: o que torna as matanças
dos terroristas mais dignas de condenação que qualquer outra forma de assassinato? A ignomínia especial associada à
palavra "terrorismo" deve ser entendida
como uma condenação dos meios, e não
dos fins.
É claro que aqueles que condenam os
atentados terroristas contra civis muitas
vezes também rejeitam os fins que os atacantes pretendem alcançar. Eles pensam
que um Estado basco separado ou a retirada das forças americanas do Oriente
Médio, por exemplo, não são objetivos
que alguém devesse perseguir, muito
menos por meios violentos.
Meios e fins
Mas a condenação não
depende de uma recusa dos objetivos
dos terroristas. A reação aos atentados
de 11 de setembro em Nova York e Washington e outros semelhantes salienta
que esses meios são ultrajantes, sejam
quais forem os fins; não devem ser usados nem sequer para alcançar um bom
fim -na verdade, mesmo que não haja
outra maneira de alcançá-lo. A comparação normal de custos contra benefícios
não é permissível aqui.
Essa afirmação não é tão simples quanto parece, porque não depende de um
princípio de moral geral que proíba toda
matança de não-combatentes. De modo
semelhante, os que condenam o terrorismo como algo que ultrapassa os limites
geralmente não são pacifistas. Eles acreditam não apenas que é certo matar soldados e bombardear depósitos de munição em tempos de guerra, mas também
que infligir "danos colaterais" a não-combatentes às vezes é inevitável -e
moralmente permissível.
Mas, se isso é permissível, por que é errado visar diretamente não-combatentes, se sua morte tiver uma boa probabilidade de levar o inimigo a cessar hostilidades, a recuar de território ocupado ou
garantir a independência?
Morrer é ruim, seja qual for a maneira
de ser morto. Então por que a morte de
um civil deveria ser aceitável se ocorresse
como efeito colateral de um combate que
serve a um fim válido, enquanto a morte
de um civil infligida deliberadamente como um meio para o mesmo fim é um ultraje terrorista?
Repulsa generalizada
A distinção
não é universalmente aceita -certamente não pelos principais beligerantes
da Segunda Guerra Mundial. Hiroshima
é o exemplo mais famoso de bombardeio
terrorista, mas os alemães, os japoneses e
os britânicos, assim como os americanos, deliberadamente chacinaram não-combatentes civis em grande número.
Hoje, no entanto, o terrorismo inspira
uma repulsa generalizada, que por sua
vez ajuda a justificar a ação militar contra
ele. Por isso é essencial que o motivo dessa repulsa seja mais bem entendido.
A idéia moral central é a proibição de
visar a morte de uma pessoa indefesa.
Assim, todo mundo é supostamente inviolável até que se torne um perigo para
os outros; temos permissão para matar
em autodefesa e para atacar combatentes
inimigos na guerra. Mas isso é uma exceção a um requisito geral e rígido de respeito pela vida humana. Desde que não
estejamos praticando nenhum mal, ninguém pode nos matar só porque seria
útil fazê-lo. Esse respeito básico mínimo
é devido a todo indivíduo e não pode ser
violado nem mesmo para atingir objetivos válidos a longo prazo.
Mas há algumas atividades, incluindo a
legítima autodefesa ou a guerra, que
criam um risco inevitável de danos a partes inocentes. Isso é verdade não apenas
em relação às ações militares ou policiais
violentas, mas também a projetos pacíficos, como grandes obras em cidades
densamente povoadas. Nesses casos, se o
objetivo for suficientemente importante,
a atividade não é moralmente proibida,
desde que se tomem os devidos cuidados
para minimizar o risco de danos a partes
inocentes, compatíveis com a realização
do objetivo.
Máximo pelo mínimo
O conceito
moral é que somos obrigados a fazer o
possível para evitar ou minimizar as baixas civis na guerra, mesmo sabendo que
não podemos evitá-las completamente.
Essas mortes não violam a estrita proteção à vida humana -que não podemos
pretender matar uma pessoa indefesa.
Ao contrário, nosso objetivo é, se possível, evitar essas mortes colaterais.
É claro que a vítima acaba morrendo,
seja deliberadamente por um terrorista
ou lamentavelmente como efeito colateral de um ataque a um alvo militar legítimo. Mas, em nosso sentido do que nos é
devido moralmente por nossos semelhantes, existe uma enorme diferença entre esses dois atos e as atitudes que eles
expressam em relação à vida humana.
Enquanto for um meio eficaz para que
partes fracas exerçam pressão contra
seus inimigos mais poderosos, não se
pode esperar que o terrorismo desapareça. Devemos esperar, no entanto, que
seu reconhecimento como forma de especial desprezo pela humanidade se dissemine, em vez de se perder devido a
seus recentes sucessos.
Thomas Nagel é um dos principais filósofos políticos norte-americanos da atualidade. Professor
de direito na Universidade de Nova York, é autor
de "A Última Palavra" (Unesp) e "Uma Breve Introdução à Filosofia" (Martins Fontes), entre outros.
Copyright: Project Syndicate, 2002.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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