|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCADA PELO PESSIMISMO, OBRA FICCIONAL E MEMORIALÍSTICA DE GRACILIANO RAMOS
TEMATIZA A VIOLÊNCIA EM TODAS AS SUAS FORMAS, CONTRAPONDO-LHE UMA BUSCA OBSTINADA POR CLAREZA E ORDENAÇÃO SINTÁTICA
O MESTRE DA SUSPEITA
Maurício Santana Dias
da Redação
Graciliano Ramos de Oliveira morreu em 20 de
março de 1953 achando que todos os livros
que havia escrito eram "chinfrins". A auto-avaliação pode parecer descabida a alguém
que deixou algumas das melhores obras da moderna literatura brasileira, como "São Bernardo" e "Vidas Secas". Mas também é verdade que todo grande autor
sempre teve alguma desconfiança de sua própria obra
-em dois casos extremos, Franz Kafka pediu ao amigo
que destruísse seus escritos, e Nicolai Gogol jogou no
fogo a segunda parte de seu romance "Almas Mortas".
No entanto poucos expressaram esse desconforto com
tanta insistência e raiva quanto Mestre Graça, como era
chamado pelos amigos.
Nascido em 27 de outubro de 1892, na cidadezinha de
Quebrangulo, encravada no sertão de Alagoas, Graciliano cresceu sob o regime das secas e das surras paternas,
formando desde cedo a idéia de que todas as relações
humanas são regidas pela violência: violência psicológica, física, de classe. Esse é o grande tema que atravessa a
sua obra, ponto cego contra o qual o escritor opôs uma
busca obstinada por clareza e ordenação sintática.
A necessidade de ver de perto os aspectos menos "nobres" da vida social e afetiva fez com que Graciliano pintasse, por exemplo, o seguinte quadro dos pais, no livro
autobiográfico "Infância" (1945): "Um homem sério, de
testa larga (...), dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda;
uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza (...), olhos
maus que em momentos de cólera se inflamavam com
um brilho de loucura". O pessimismo, presente já no
romance de estréia, "Caetés" (1933), foi-se acentuando
nos livros seguintes: "São Bernardo" (1934) e "Angústia" (1936). "Os heróis de Graciliano são seres (...) que se devoram por dentro; não têm outro objetivo que não o de se destruírem lentamente, completamente", observou Roger Bastide num artigo de 1947.
À análise do meio social, com suas figuras derrotadas,
se superpõe a auto-análise obsessiva, que em "Angústia" atinge o ponto máximo, chegando ao delírio da linguagem. "Romance desagradável, abafado, ambiente
sujo (...) Solilóquio doido, enervante. E mal escrito",
disse Graciliano a respeito do livro em suas "Memórias
do Cárcere" (1953, póstumo). A esperança, quando
aparece -como no final de "Vidas Secas" (1938)-, é
apenas uma possibilidade remota.
Única obra narrada na terceira pessoa, "Vidas Secas",
seu último e mais famoso romance, expõe a existência
quase impossível de uma família de retirantes. Sua força, magnificamente transposta para o cinema por Nelson Pereira dos Santos em 1963, deriva sobretudo do distanciamento do narrador, do uso das pausas e silêncios, recursos que amplificam a miséria material e simbólica de suas personagens e parecem incluir, nessa mesma condição, todos os leitores.
No cinquentenário da morte de Graciliano Ramos, o
Mais! decidiu contrariar a desconfiança do autor -"o
maior pessimista desta literatura de pessimistas que é a
brasileira" (Otto Maria Carpeaux)- e lhe dedicar este
número especial. Afinal a literatura do Velho Graça é
boa "como o diabo", para usar uma de suas expressões.
Em investigação inédita, feita no Arquivo Público do
Estado do Rio de Janeiro, o repórter Mário Magalhães
reconstitui a militância do escritor no Partido Comunista Brasileiro. Benedito Nunes fala em entrevista sobre o sentimento de absurdo em Graciliano, e Silviano
Santiago escreve um diário ficcional dos últimos dias do
autor. Finalmente Ferreira Gullar, Luiz Costa Lima,
Luis Bueno, Beatriz Resende e João Cezar de Castro Rocha comentam suas principais obras.
Texto Anterior: Capa 09.03 Próximo Texto: Memórias de um militante stalinista Índice
|