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+ sociedade
GOVERNANTE PRECISA APROVEITAR
A CIRCUNSTÂNCIA EXTERNA FAVORÁVEL
PARA DEFINIR METAS
POSSÍVEIS E COLOCÁ-LAS EM PRÁTICA
Um apelo ao presidente
por Alain Touraine
A eleição de Lula no Brasil criou
tantas expectativas, mesmo entre os que tinham uma opinião
favorável a respeito do governo
Fernando Henrique Cardoso, que é preciso se perguntar, agora que o presidente
está quase na metade do seu mandato e
que as eleições municipais se aproximam, sobre os resultados obtidos, as incertezas que persistem e as decepções
que não param de aumentar.
O mais simples é partir não de uma
descrição detalhada dos problemas, mas
da pergunta que o continente inteiro se
faz: pode-se realizar uma profunda
transformação da estrutura social de um
país, isto é, sobretudo, redistribuir a renda, respeitando as regras democráticas?
A essa primeira pergunta, deve-se acrescentar uma segunda: é possível fazer reformas significativas num país tão dependente do crédito e do investimento
externos?
Quando Lula chegou ao poder, alguns
temiam que cedesse a um populismo revolucionário e se apoiasse mais em seu
prestígio pessoal do que nos procedimentos parlamentares de praxe. Logo se
tranqüilizaram, e FHC fez bem em facilitar a transição para o governo Lula. Também se pode considerar um sucesso a
boa acolhida que Lula recebeu dos dirigentes da economia mundial. O G-7 (ou
G-8) necessita de um intermediário entre os países ricos e os países pobres. O
Brasil é o mais bem qualificado -mais
do que a Índia- para desempenhar esse
papel, o que lhe garante status de grande
potência. Portanto, nesses dois campos
fundamentais o sucesso é evidente: Lula
conta com a confiança dos dirigentes e
da opinião pública mundial e, no plano
interno, continua contando com o apoio
de grande maioria da população.
Resta o outro lado da questão: que mudanças profundas podem e devem ser
feitas? A meta da erradicação da fome
comove e mobiliza, mas é muito vaga e
não implica transformações sociais claras. Também se falou muito em acelerar
a reforma agrária, terreno em que o governo anterior promoveu grandes avanços, mas é preocupante ver o Brasil ser
tratado como um país agrícola e rural,
quando é, já faz muito tempo, urbano,
industrial e até metropolitano.
Estamos diante das duas perguntas
mais importantes: qual é a principal meta social do governo e como ela pode ser
alcançada?
Ideologias irrealistas
A primeira
questão é a mais difícil, pois os problemas que ela implica têm sido obscurecidos por ideologias irrealistas. Na América Latina, as classes e as relações de classe
são mal definidas, já que os dois elementos centrais da situação são a dependência do capital estrangeiro e o papel de integração social desempenhado pelo Estado, que divide a população em integrados e outsiders, como diz Norbert Elias,
isto é, "excluídos". O que tem uma conseqüência da maior relevância: o campo
de ação mais importante no Brasil não é
o econômico e muito menos o político
no sentido estrito. A grande meta que o
Brasil deve perseguir é a da reconstrução
-material, econômica e cultural- de
uma parte das grandes cidades e, mais
precisamente, das duas maiores metrópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, onde
milhões de habitantes vivem em condições precárias e inaceitáveis de moradia,
saneamento, fornecimento de energia,
educação e saúde. A revitalização de uma
grande parte das principais metrópoles
deve ser uma meta federal, pois as prefeituras não dispõem de recursos suficientes para realizar reformas dessa magnitude.
O que leva à segunda pergunta: como
obter os recursos necessários para a reconstrução? A resposta a essa questão
não é técnica: a redistribuição de renda é
impossível sem pressão popular, social e
política. Lula é o único que dispõe da influência necessária para fazer essa pressão aumentar.
Ação restrita
De fato, ela não existe.
O Brasil não está mais mobilizado do que
o Chile nem menos do que a Argentina.
A razão desse estranho silêncio já é do
conhecimento de todos: em quase nenhum lugar do continente existe um ator
coletivo autônomo, e a confiança na
guerrilha somada ao exemplo cubano
contribuem para enfraquecer a capacidade e o desejo de mobilização ativa.
Se Lula não se moveu para a extrema
esquerda, sua ação continua aquém das
necessidades e das possibilidades do
país.
Deveríamos concluir, então, que a síntese da transformação social e da democracia política é impossível e que não
existe nenhuma alternativa entre a violência política e as transformações lentas,
positivas, sem dúvida, mas que não chegam a alterar a enorme desigualdade que
reina no país?
As eleições municipais se aproximam,
e depois delas provavelmente será mais
difícil promover grandes iniciativas sociais. É preciso, no entanto, que o maior
número possível de vozes se faça ouvir,
para conclamar o presidente Lula, que
possui a confiança da maioria dos eleitores, a definir metas claras e os meios necessários para alcançá-las.
Riscos na América Latina
A conjuntura no Sul do continente é favorável
e não apenas por causa do Chile, onde o
aumento do preço do cobre vem enriquecendo a sociedade e o Estado. Por outro lado, os EUA estão muito envolvidos
com o Iraque para correr riscos na América Latina.
O momento é de urgência. O governo
brasileiro deve anunciar um programa e
uma agenda de ação. O enfraquecimento
ou a perda da esperança depositada em
Lula trariam o desespero, no mundo inteiro, aos que reconheceram nele o militante social e o estadista democrático, o
único capaz de descobrir a síntese da democracia política com a luta contra a desigualdade e a injustiça.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de "A Crítica da Modernidade" (ed. Vozes).
Traduzido por Rubia Prates Goldoni.
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