São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002 |
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"Do Corporativismo ao Neoliberalismo" coloca em xeque a herança social e trabalhista da era Vargas Tiques e cacoetes da historiografia
Gilberto Vasconcellos
Afinal é história, estória, istória ou
heustória? Essa dúvida em grafar a palavra não decorre da vontade
ou da ironia em tornear o significante à Lacan, pois encerra uma questão
vital quanto à memória do passado e ao
modo de escrever ou reescrever a história, seja do prisma menos frequente dos
vencidos, seja do viés chapa-branca e
corriqueiro dos bacanas e vencedores.
Com efeito, quem, na história do Brasil
depois de 1930, são os vencidos e os vencedores?
Esta coletânea sobre corporativismo e
neoliberalismo, não obstante o estilo dubitativo e antiapodítico de alguns artigos, traz a seguinte certeza: a repulsa pela figura de Getúlio Vargas, pela legislação trabalhista de seu governo, pelo nacionalismo advindo com a Revolução de 30 e pela herança do trabalhismo representada por Alberto Pasqualini, João Goulart e Leonel Brizola, ou seja, a tradição política que levou ferro em 1945, em 1954, em 1964, em 1989, em 1994 e em 1998.
Se o assunto em pauta é a Revolução de 30 e a legislação trabalhista getuliana, o coro uníssono aponta para o seu caráter mimético, ou seja, as leis fascistas (nos moldes da Carta de Lavoro) presidindo as relações entre capital e trabalho. Assim, o abominável regime corporativista de Vargas -pichado com tintas mais aberrantes do que o golpe antitrabalhista de 64- é tido como um regime "contra-revolucionário". Há 50 anos somos educados para rasgar a trágica "Carta Testamento" e jogá-la ao lixo. Com o propósito de refutar ou de tornar ridícula a idéia de que a legislação trabalhista brasileira foi a "mais avançada legislação social do mundo", a historiografia do "sindicalismo militante", empenhada em fortalecer a "sociedade civil" a partir da década de 70, nega de pés juntos -na esteira malandra da ideologia colonialista- a possibilidade de o Brasil trilhar um caminho próprio na história, porquanto não tenha o menor cabimento a veleidade de considerar que possamos construir um país diferente de qualquer outro no mundo. Tabuleiro globalizado Para os historiadores do tabuleiro globalizado, teremos ineludivelmente de curtir e repercutir algum paradigma testado alhures, de preferência o pacote vindo de Lombard Street ou de Wall Street. Outro ponto para mim obscuro é afirmar que a volta de Vargas em 1950 pelo voto popular não teria nada a ver com as conquistas sociais dos trabalhadores, o que dá margem a pensar que foi por obra e graça do Espírito Santo numa campanha eleitoral em que não havia televisão Big Brother. Um aspecto curioso nisso tudo é que vários autores da mais alta envergadura intelectual já chamaram a atenção, a exemplo de Miguel Bodea, Alfredo Bosi, Darcy Ribeiro e José Augusto Ribeiro, para a influência decisiva do positivismo de Júlio de Castilhos na "paidéia" getuliana, e não a supracitada "Carta del Lavoro" de Mussolini; no entanto, debalde a insistência, isso nunca é levado em conta desde as aulas de Francisco Weffort acerca do populismo e o seu colapso em 1964, de modo que se vai tecendo na historiografia de 30 para cá um diálogo de moucos sob o aplauso entoado pelos antigos e novos coveiros da era Vargas. Gilberto Felisberto Vasconcellos é professor de ciências sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) e autor de "Glauber Pátria Rocha Livre" (ed. Senac), entre outros. Do Corporativismo ao Neoliberalismo 182 págs., R$ 22,00 Ângela Araújo (org.). Ed. Boitempo (r. Euclides de Andrade, 27, CEP 05030-030, SP, tel. 0/xx/11/ 3875-7285). Texto Anterior: + livros: A ascese do Combate Próximo Texto: A terceira via do pensamento Índice |
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