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Ponto de fuga
Lasar e Otto
Jorge Coli
especial para a Folha
Duas exposições, em São Paulo, apresentam obras sobre papel de Lasar Segall e Otto Dix. Eles foram amigos
desde os tempos efervescentes de Dresden (Alemanha),
em anos que antecederam e sucederam a Primeira
Guerra Mundial. O paralelo entre ambos é estimulante.
Está bem assinalado no conjunto fluente e mais reduzido que se encontra no museu Segall -museu que bem
poderia se tornar, um dia, quem sabe, um centro internacional de estudos sobre o expressionismo.
Também é revelado nas numerosas imagens de guerra, concebidas pelos dois artistas e reunidas na Faap
(Fundação Armando Álvares Penteado). É verdade
que, aqui, a disposição das obras, muito cerrada, iluminadas com descuido, desafia a concentração do visitante. Mas vale o esforço.
Dix (1891-1969) trata o mundo com irrisão, penetrada
de crueldade. É um herdeiro das mais fortes exasperações românticas. Segall (1891-1957) mostra-se diferente.
Gilda de Mello e Souza assinalou, de modo justo, que
Segall se define "como um apolíneo e, paradoxalmente,
como um cartesiano", no avesso das personalidades
dionisíacas, irracionais, oníricas, tão próprias ao expressionismo. Não é, dessa maneira, um "expressionista sóbrio", como já se escreveu, um expressionista "ma
non troppo", atenuado. A diferença de natureza -e
não de grau- sobressai nessas comparações com Dix,
ora propostas em São Paulo. Segall elimina o anedótico,
o acidental, o episódico, para chegar aos traços mais
eternos. É um clássico, em sentido profundo. Um clássico atraído por conflitos e melancolias.
Viagem - Buenos Aires é longe, e a Cidade do México,
mais ainda. Uma exposição intitulada "Lasar Segall, un
Expressionista Brasileño" encontra-se agora no México. Depois irá para a Argentina. Parece supimpa. O catálogo, em todo o caso, é excelente. Contém ótimos ensaios, a começar pelo de Vera d'Horta, abrindo o conjunto. O tema geral da mostra -"expressionista brasileiro"- conduz, de modo inevitável, a antigas interpretações nacionalistas, de que a obra de Segall ainda é vítima. Felizmente um estudo escrito por Jorge Schwartz,
intitulado "Lasar Segall, un Punto de Confluencias",
vem nuançar, com grande poder analítico e inteligência
comparativa, essas questões delicadas.
Talvez Segall tenha dado, em sua criação, algumas
respostas às fortes pressões da ideologia nacionalista,
que, no Brasil, durante o século 20, foi tão hegemônica.
Há, de qualquer forma, muito que rever sobre a pretensa "brasilidade" de suas obras. Seja como for, de modo
voluntário ou não, ele soube se proteger. É, sobretudo,
um introspectivo. Prefere a solidão do ateliê às polêmicas, às agitações e modas intelectuais. O Brasil surgiu,
para ele, como um refúgio. "A atmosfera que se vivia
em Berlim", declarou o pintor uma vez, era "altamente
interessante". Mas desejava libertar-se dela, "aspirando
ao sossego, à solidão e à concentração interior".
Proteu - Na Faap, em São Paulo, em frente às salas que
expõem as terríveis visões da violência guerreira, concebidas por Segall e Dix, há uma outra mostra, bem diversa e divertida. Ela provém da coleção de uma empresária napolitana, Maria Pia Incutti, suficientemente excêntrica para apaixonar-se pela matéria plástica. Kitsch
delirante, requinte abstrato de formas geométricas, design futurista, ilusionismo imitativo: há, ali, maravilhosas peças nessa substância, fabricadas desde o século 19. Elas foram capazes de tomar cor, aparência, textura, de
quase tudo o que existe.
Oito patas - Um leitor indignado assinalou que, numa
coluna precedente, o Homem-Aranha foi tratado de
"homem-inseto". Erro crasso, pois aranhas não são insetos. A enciclopédia reza, de fato, que, já no ano de
1800, Lamarck fez a distinção entre insetos e aracnídeos.
Mas o "Aurélio" diz que aranha é "a designação comum
a diversos insetos aracnídeos...". Outra enciclopédia, no
verbete inseto, define, "quaisquer animais artrópodes
similares (à classe dos insetos), tais como as aranhas...".
Socorro, entomologistas!
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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