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AUTOR DO MONUMENTAL "UM ESTUDO DA HISTÓRIA", ARNOLD TOYNBEE TEM HOJE SUA OBRA REVISTA POR HAVER ANTECIPADO O RESSURGIMENTO DO ISLAMISMO E A ECLOSÃO DA
SOCIEDADE PÓS-MODERNA
FILOSOFIAS DA HISTÓRIA
Há 50 anos, o historiador britânico Arnold Toynbee (1889-1975) estava no auge da fama.
Ele acabara de publicar os últimos volumes de seu "Um Estudo da História" [ed. Martins Fontes], uma magnífica interpretação daquilo que considerava o mais memorável no passado da
humanidade. Seu rosto apareceu na capa
da revista "Time" e ele foi convidado para dar palestras pelos Estados Unidos.
No Japão, foi recebido por Daisaku
Ikeda, presidente da seita religiosa Soka
Gakkai, e apresentado como um sábio
cujas idéias ofereciam uma alternativa ao
marxismo. Os britânicos eram mais cautelosos, mas Toynbee foi convidado pela
rainha para um jantar (que ele recusou).
Também ministrou as renomadas palestras Reith no rádio, em 1952, sobre "O
Mundo e o Ocidente".
A comunidade acadêmica internacional também levou Toynbee a sério, especialmente nos anos 50. Ele foi minuciosamente estudado por intelectuais tão variados e tão eminentes em suas diferentes disciplinas quanto o filósofo espanhol
José Ortega y Gasset (que fez uma série
de palestras sobre o ponto de vista de
Toynbee em relação à história), o historiador holandês Peter Geyl, o sociólogo
americano Robert Merton e o geógrafo
australiano Oskar Spate.
A guerra e o nacionalismo
Toynbee veio da classe alta britânica. Estudou
em uma das melhores escolas públicas
do país, a Winchester, e depois estudou
clássicos no Balliol College, em Oxford.
Logo depois de se formar, foi designado
para ensinar história em sua antiga faculdade. Não combateu na Primeira Guerra
Mundial, mas sua visão de mundo foi
transformada pelo conflito. A guerra o
fez se tornar um opositor convicto do nacionalismo, acreditando que a crise havia tornado "impossível para nós [em
outras palavras, os ocidentais] não darmos valor à nossa própria civilização".
Ele abandonou o ensino de história antiga para assumir um cargo no Royal Institute of International Affairs, em Londres, onde ficou de 1924 até se aposentar,
em 1955, produzindo pesquisas anuais
sobre a situação do mundo.
Foi no final da guerra de 1914-18 que
Toynbee concebeu a idéia de uma reinterpretação da história da humanidade.
Da mesma forma como a experiência da
Guerra do Peloponeso transformara Tucídides em um historiador grego, fazendo-o perceber que Atenas não era o centro do universo, a Primeira Guerra fez de
Toynbee um historiador mundial. Uma
palestra ministrada por ele em 1920 sobre "A Tragédia da Grécia" foi ao mesmo
tempo uma defesa do estudo da história
da Grécia Antiga e um manifesto para
um estudo comparativo do que ele chamou de o enredo básico da "tragédia da
civilização". Nessa época, ele já tinha
consciência da importância política do
ressurgimento do islamismo.
"Workaholic"
Toynbee era o exemplo clássico de um viciado em trabalho
-"Um Estudo da História" foi escrito
nas horas vagas em meio às suas pesquisas anuais de assuntos internacionais.
O livro levou um quarto de século para
ser escrito, totalizando 12 volumes e mais
de 6.000 páginas. O livro tratava de 21
"civilizações" diferentes como as verdadeiras protagonistas da história, examinando suas origens como respostas aos
"desafios" de seu meio, seu "crescimento" e, sobretudo, suas crises e declínios,
em que a guerra e a ascensão de um proletariado (incluindo o que Toynbee chamou de um proletariado "externo", como os bárbaros que invadiram o Império Romano) tinham um papel decisivo.
Instituições tais como os Estados universais e as igrejas permitiam que as civilizações "se reerguessem", às vezes mais de
uma vez, mas não podiam evitar uma
"dissolução final".
Em outras palavras, a história caminha
em ciclos, não em uma linha reta. Essas
generalizações foram baseadas em uma
série de exemplos vívidos extraídos da
leitura histórica incrivelmente ampla de
Toynbee, sem falar do uso que fazia de
diversos geógrafos, antropólogos, sociólogos e psicólogos (notadamente Carl
Gustav Jung). Apesar de ter feito uso de
mentores especializados no mundo islâmico e na China, as conclusões de Arnold Toynbee foram, em grande parte,
de autoria própria.
O paralelo entre essa magnífica interpretação da história e "O Declínio do
Ocidente", de Oswald Spengler (um livro
que Toynbee leu em 1920 seguindo a recomendação de seu amigo de Balliol, Lewis Namier, um polonês que se tornou
uma das maiores autoridades sobre a
história da Inglaterra do século 18), é
bastante óbvio. Toynbee admirava o que
chamava de os "lampejos de vaga-lume
de discernimento histórico" de Spengler,
uma frase que é igualmente aplicável a
seu próprio trabalho.
No entanto reagiu contra o que chamou de "o método a priori alemão" de
"O Declínio do Ocidente", em contraste
com seu próprio "empirismo britânico",
como ele o chamava. Apesar de se apropriar do conceito de proletariado, Toynbee era tão indiferente ao marxismo
quanto à abordagem de Spengler em relação ao passado. Ele rejeitava as visões
de progresso e evolução social que haviam virtualmente sido desprezadas pela
geração anterior.
Mecanismo e vida
Se algum filósofo prevalece em "Um Estudo da História", é provavelmente Henri Bergson, cujas idéias foram apresentadas a Toynbee
por um outro amigo de faculdade antes
da guerra. Referências ao élan vital das
civilizações e ao contraste entre o mecanismo e a vida se repetem na obra de
Toynbee, mostrando que ele levava
Bergson muito a sério.
Mais fundamental ao pensamento de
Toynbee do que Bergson, Spengler ou
Jung, no entanto, foram os autores clássicos, com os quais ele havia se familiarizado desde a juventude. Durante a guerra, ele havia sido "perseguido", como explicou mais tarde, por paralelos entre a
Grécia Antiga e o Ocidente moderno.
Sua interpretação da história do mundo
se baseava firmemente em paradigmas
clássicos. À medida que o livro prossegue, o esquema fundamental permanece
o mesmo, mas os pontos de vista do
autor mudam em um aspecto importante. Toynbee tornou-se cada vez mais religioso e acabou fazendo do progresso espiritual a exceção às suas "leis" cíclicas
da história. Estivera há muito tempo fascinado por aquilo que foi um dos primeiros a chamar de "encontros" entre civilizações, a importância das diásporas e a
natureza da "recepção" cultural.
Dedicou dois tomos da volumosa obra
"Um Estudo da História" ao que chamou de "contatos entre civilizações",
"culturas em conflito" ou a "difração"
dos "raios culturais". Passou a se interessar por uma espécie de sincretismo religioso. Gravou uma experiência mística
na National Gallery de Londres, em 1951,
que o levou a fazer preces conjuntas a
Buda, Maomé, Ashoka, Mo-Ti, e "Cristo
Tamuz, Cristo Adonis, Cristo Osiris",
chocando alguns de seus leitores britânicos, mas agradando aos japoneses.
Toynbee tornou-se cada vez mais religioso e acabou fazendo do progresso espiritual a exceção às suas "leis" cíclicas da história
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Declínio do prestígio
Depois da
década de 50, Toynbee desenvolveu novos interesses, sobre o modelo que foi
um dos pioneiros a chamar de mundo
"pós-moderno", por exemplo, e na relação das cidades com o seu meio, o que
seu amigo, o arquiteto grego Constantinos Doxiadis, denominou "ekística".
Apesar desses sinais de juventude intelectual aos 67 anos, a reputação de Toynbee começou a esvaecer. Os críticos de
seus livros perderam a timidez e se tornaram cada vez mais reprovadores. Ele
foi criticado por ser indevidamente esquemático (como de fato era), por dar
demasiada ênfase às delimitações entre
civilizações, por deixar de absorver as
idéias de sociólogos históricos, como
Max Weber e Vilfredo Pareto, e por praticamente ignorar o lugar da ciência natural na civilização ("uma grande lacuna", como o próprio Toynbee admitiu).
Fascinado pela Ásia, tinha relativamente pouco a dizer sobre a África ou as
Américas, do Norte ou do Sul, apesar de
acreditar que o Brasil estava destinado a
um grande futuro. De fato, Toynbee só
viajou para a América do Sul depois de
terminar o seu "Um Estudo da História".
Fez uma visita a Gilberto Freyre, com
quem tinha muito em comum, mas o encontro não foi proveitoso.
Atualmente, poucas pessoas lêem os
volumes maciços de Toynbee ou até
mesmo os livros curtos mais acessíveis,
como "O Mundo e o Ocidente", no qual
o autor expressa suas idéias essenciais.
Mesmo assim, ele merece um lugar na
história intelectual do século 20, ao lado
de Fernand Braudel, como um dos intelectuais ocidentais com uma visão global, que fez o máximo para tornar os habitantes de seu país cientes da cultura e
história do resto do mundo.
Paradoxalmente, os estudos obsoletos
de Toynbee em história pré-nacional e
em história da Grécia e Roma antigas
tornaram mais fácil para ele do que para
muito outros entender o que pode ser
chamado de história pós-nacional de seu
próprio tempo.
No século 21, há sinais de um interesse
renovado pela interpretação da história
de Toynbee, notadamente pela Rússia,
onde essas idéias ajudam a preencher o
vácuo filosófico que se seguiu ao esmorecimento do marxismo. Suas idéias sobre
o ressurgimento do islamismo, sobre a
sociedade pós-moderna e sobre o ambiente parecem mais atuais hoje do que
quando as apresentou pela primeira vez,
entre as décadas de 20 de 50. Se a história
intelectual se move em ciclos, como
Toynbee acreditava, a vez dele pode estar
chegando novamente.
Peter Burke é historiador inglês, autor de "Uma
História Social do Conhecimento" (Jorge Zahar
Editor) e "O Renascimento Italiano" (ed. Nova Alexandria). Escreve regularmente na seção "Autores", do Mais!.
Tradução de Leslie Benzakein.
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