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O baú proibido
A PARTIR DE PESQUISAS NA UNIVERSIDADE
DE OXFORD E NA BIBLIOTECA BRITÂNICA,
"ESCAVANDO KAFKA", DE JAMES HAWES, TENTA DESMITISFICAR A VIDA ÍNTIMA E PÚBLICA DE
UM DOS PRINCIPAIS ESCRITORES DO SÉCULO 20
PEDRO DIAS LEITE
DE LONDRES
Um segredo literalmente do fundo do
baú, conhecido há
quase um século
por alguns poucos
acadêmicos, veio à tona na
quinta-feira passada, com a publicação, no Reino Unido, de
um livro que revela a coleção
de revistas eróticas de Franz
Kafka (1883-1924) -um dos
mais importantes escritores do
século 20.
Com o objetivo declarado de
desmistificar o escritor tcheco
de língua alemã, a obra do pesquisador James Hawes, "Excavating Kafka" (Escavando Kafka, ed. Quercus, 272 págs.,
14,99, R$ 46), também traz
imagens daquelas publicações
-que o Mais! reproduz nesta
edição.
Segundo o autor, Kafka guardava a coleção em um baú na
casa dos pais, onde vivia (e cuja
chave levava quando ia viajar).
Ela permaneceu durante décadas guardada na British Library (Biblioteca Britânica),
em Londres, e na tradicionalíssima Bodleian, na Universidade de Oxford.
Para Hawes, é bom esquecer
de vez a figura solitária, a alma
torturada oprimida pelo pai e
praticamente ignorada por
seus contemporâneos, que anteviu o horror do Holocausto e
dos gulags soviéticos.
Alienação
Kafka, nas palavras do autor
do livro, era "filho de um milionário e viciado em prostitutas
durante toda a sua vida adulta;
um escritor apoiado por um
grupo influente e que era admirado (e sabia disso) por quase
todos os seus colegas escritores; um leal cidadão Habsburgo
com um alto cargo estatal que
esperava (e queria) que a Alemanha e a Áustria vencessem a
Primeira Guerra Mundial, até o
final; um homem que não tinha
a menor idéia do Holocausto,
assim como qualquer outro".
Com um texto tão debochado, que chega a colocar em dúvida a seriedade de sua tese,
Hawes parte da coleção de revistas eróticas de Kafka para
mostrar esse outro lado do autor de "A Metamorfose", "O
Processo" e "O Castelo", entre
outras obras fundamentais.
Formado em Oxford e mais
conhecido por seus romances
humorísticos (como "Speak for
England", Fale Pela Inglaterra), Hawes diz que a "dica" para
a coleção está disponível há pelo menos 85 anos, na primeira
biografia que o mais famoso
biógrafo de Kafka, seu amigo
Max Brod, escreveu sobre ele.
"O mistério é por que isso
permaneceu um segredo por
tanto tempo. A razão por trás
disso, suspeito, é que revelar a
ligação de Kafka com a pornografia também conta a verdade
sobre toda a sua vida literária",
escreveu Hawes num artigo recente para o "The Guardian".
A explicação para esse raciocínio é que "o homem que entregava o pornô a Kafka em
1906-7 é a mesma pessoa que
publicou seus textos pela primeira vez, em 1908 -e que, como juiz de um dos maiores prêmios literários de Berlim, ajeitou as coisas para que Kafka ficasse com a glória".
O homem é Franz Blei, e os
textos depois foram reunidos
em "Meditação".
A coleção que Kafka escondia
tão bem dificilmente chocaria
um adolescente em tempos de
internet. A maioria das imagens é de figuras quase "artísticas", como um desenho de uma
mulher de calcinha com homens-miniatura a seus pés. Algumas chegam a ser bizarras,
como um sapo chupando um
pênis ("Le Gourmand").
As publicações ("Ametista" e
"As Opalas"), adquiridas por
meio de assinatura, já lançavam uma tendência mantida
até hoje pela maior parte das
revistas masculinas, misturando imagens pornográficas e
eróticas com textos não relacionados a sexo e, outros, sim.
Mesmo assim, ainda hoje
pornografia e literatura parecem não se relacionar tranqüilamente. Em entrevista ao
"The Times", Hawes contou
que seu editor norte-americano relutou em publicar o material. "Não são cartões-postais
safadinhos tirados na praia.
Sem dúvida, são imagens pornográficas, pura e simplesmente. Há algumas bem pesadas, é
bem desagradável", disse.
Retirar o entulho
Seu objetivo ao "demolir o
mito" construído em torno de
Kafka não é diminuir sua obra,
diz Hawes (que estuda o autor
desde 1982, quando viu o manuscrito original de "O Castelo"), mas permitir uma avaliação mais clara de seu trabalho.
"Com o entulho retirado para
longe, talvez finalmente nós
consigamos ver o trabalho de
Kafka pelo que ele realmente é
-não o troço deprimido e obscuro que recebemos pós-Auschwitz dos existencialistas
franceses, mas suas maravilhosas "comédias negras" ("black
comedies"), escritas por um
homem profundamente influenciado pelos escritos de
seus predecessores e de sua
própria época", afirma Hawes.
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