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+ brasil 505 d.C.
MANOLO
FLORENTINO
PASSA A
ESCREVER
NO MAIS!
O historiador, que
estréia hoje na seção
"Brasil 505 d.C.", fala dos
novos projetos, condena a
política de cotas e diz que
a mestiçagem envolveu
todas as camadas
da sociedade brasileira
Fabiano Maisonnave
da Redação
O historiador capixaba Manolo Florentino, 46, estréia hoje como o novo colaborador da seção 505
d.C, do Mais!, na qual passa a escrever bimestralmente. Radicado há vários anos no Rio de Janeiro, onde é professor no departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Florentino escreveu,
entre outros, "A Paz das Senzalas" (ed. Civilização Brasileira) e "Em Costas Negras" (Companhia das Letras), em
que trata do tráfico de escravos africanos para o Rio de Janeiro entre o fim do século 18 e a primeira metade do século 19. Ali argumenta que a economia brasileira da época
era muito mais complexa e menos dependente da metrópole do que como é tradicionalmente retratado.
Convicto de que o ofício do historiador é o presente, Florentino não foge de debates urgentes, como o governo Lula e políticas de ações afirmativas. Crítico do continuísmo
tucano-petista, diz que José Serra só sobreviverá em São
Paulo se continuar no rumo traçado por Marta Suplicy.
E, como um típico brasileiro, evita fazer planos a longo
prazo. Seu projeto principal? "Torcer para que o Botafogo
não volte a cair para a segunda divisão", enquanto prepara
mais dois livros, sobre alforria no Brasil e criminalidade
no Rio de Janeiro imperial.
Leia abaixo trechos de sua entrevista, dada por e-mail.
O senhor é um dos que têm renovado os estudos históricos
no Rio de Janeiro. Em historiografia, o que separa as "escolas" do Rio de Janeiro e de São Paulo?
Antes que nada, um pouco de competição é sempre
bem-vindo. Mas é melhor ressaltar o que definitivamente nos une: a pobreza brasileira. Obviamente, a pobreza não necessariamente produz projetos miseráveis, mas, pelo que muitas vezes tem de ridícula, a competição historiográfica entre Rio e São Paulo pode
eventualmente reiterá-la. De resto, a historiografia nacional vai muito bem, obrigado, crescendo globalmente, diversificando-se em termos temáticos e teóricos,
saindo do eixo Rio-São Paulo por meio da proliferação
de programas de pós-graduação.
A lamentar, só duas coisas: que não haja efetivo pluralismo político na academia, aparelhada até a medula;
e que a praga representada pelo politicamente correto
-esteio da mediocridade intelectual- se encontre em
franca expansão.
O senhor identifica a miscigenação como um indício da alta
mobilidade social brasileira, mas interrompida pela estagnação econômica. Por que não o argumento inverso, o de
que a histórica falta de oportunidades à população negra limitou a expansão do mercado interno e o crescimento econômico?
O que limita a expansão do mercado interno é a pobreza, mensurada por uma massa salarial pífia, que impede aos brasileiros tornarem-se efetivos consumidores.
E também a existência de um Estado guloso e ionescamente ineficiente -aqui trabalha-se quatro meses por
ano apenas para pagar impostos, e só há uma coisa
mais difícil do que abrir uma empresa: é fechá-la.
O sr. tem criticado a adoção de políticas de ação afirmativa
nas universidades públicas. Há outra forma de criar condições para que os negros formem sua elite para, por exemplo, participar com candidatos competitivos às eleições para prefeito?
Critico a adoção de políticas de ação afirmativa, entre
outros aspectos, pelo que ela tem de demagógico. Ao
invés de melhorar o ensino público de base, busca-se
penalizar a universidade pelo que ela não é culpada,
transformando-a em panacéia para nossos males seculares. Resultado: inclusão social a custo zero, sopão para os pobres, delírio dos políticos. Mas a grande perversidade é que todo esse jogo de cena representado pelas
cotas elude exatamente a discussão sobre a melhoria do
ensino público fundamental e médio enquanto estratégia incontornável para a ascensão social dos mais pobres -negros e mestiços em sua grande maioria, observe-se. Ou se revoluciona a educação ou estaremos
condenados a acabar com a pobreza de um modo ainda mais eficiente e cruel: matando os pobres.
O sr. identifica como positiva a identidade mestiça brasileira. Em que momento, no processo histórico brasileiro, a
miscigenação -que no início produzia em série mulatos filhos de escravas negras e senhores brancos- passou a ser
positiva?
Poucas pessoas negariam a idéia de que misturar é
bom. Até porque se trata de movimento inevitável em
escala global. Só para que se tenha uma idéia: em Londres, hoje, chega a 307 o total de línguas faladas por
25% das crianças que em casa utilizam outro idioma
que não apenas o inglês! Por outro lado, é falsa a idéia
de que nossa mestiçagem esteve calcada especialmente
no intercurso entre senhores e escravas. Ao contrário,
resultamos desde sempre -e sobretudo- do encontro entre pobres amantes, de pessoas de diferentes cores e procedências que a miséria uniu nesta parte meio
quase inóspita do globo.
O sociólogo Francisco de Oliveira, no início do governo Lula,
disse que a grande questão era se haveria uma ruptura ou
uma continuidade com relação a Fernando Henrique Cardoso. Essa pergunta já está respondida?
Por certo. A continuidade é opção mais do que evidente. E não apenas no campo da economia, mas igualmente em termos da prática política, calcada na sábia
constatação de que neste país é impossível governar
sem alianças. Curioso: inversamente, o mesmo se coloca, hoje, para a cidade de São Paulo: ou José Serra assume a condição de continuador do que Marta fez de
bom ou estará irremediavelmente perdido.
Quais são os seus futuros projetos?
O principal? Sinceramente? Torcer para que o Botafogo
não volte a cair para a segunda divisão. Entre uma ida e
outra ao Maracanã, acho que poderei colocar um ponto final em um livro sobre alforrias no Brasil e em outro
acerca de alguns criminosos que viveram no Rio de Janeiro imperial.
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