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O HISTORIADOR INGLÊS BERNARD LEWIS DIZ
QUE A IMPRENSA RETRATA DE MODO DESEQUILIBRADO
O QUE ESTÁ OCORRENDO
NO IRAQUE SOB OCUPAÇÃO
A ASCENSÃO DO TERRORISMO ISLÂMICO
Eduardo Szklarz
free-lance para a Folha
Poucos historiadores mergulharam tão fundo na
tradição do islã quanto o inglês Bernard Lewis.
Com livros publicados em mais de 20 idiomas,
inclusive persa e árabe, ele ficou conhecido como
"o decano dos estudos do Oriente Médio" e "o patriarca
dos orientalistas". Mas, depois que o World Trade Center veio abaixo, o interesse por seu trabalho ganhou um
novo e impressionante impulso, sobretudo graças ao
ensaio "The Roots of the Muslim Rage" (As Raízes do
Ódio Muçulmano), publicado em 1990.
Professor emérito de Estudos Orientais na Universidade Princeton, Lewis considera que a chave para entender o conturbado mundo atual está no embate entre
o islã e o Ocidente. O historiador concedeu a entrevista
a seguir por telefone, de sua casa, em Nova Jersey.
Que conclusões podem ser tiradas a partir dos atentados
ocorridos em Madri?
Tenho medo de que pessoas no Oriente Médio tomem esses acontecimentos como uma vitória dos
terroristas. Já vimos isso quando os israelenses se retiraram do Líbano. Temo que essas pessoas vejam
nas eleições espanholas a seguinte resposta aos terroristas: "Tudo bem, faremos o que vocês querem,
apenas nos deixem em paz".
Até que ponto grupos como a Al Qaeda e o Hamas são
partes do islã?
Hitler e os nazistas não foram partes do cristianismo,
mas certamente eram partes da cristandade. Eles governaram num país cristão, numa sociedade cristã.
Creio que esses grupos são islâmicos nesse sentido.
Ao tratar do islã, estamos falando de 14 séculos de
história, mais de 1,3 bilhão de pessoas e 57 países,
além de minorias importantes em Estados não-islâmicos. Por isso, é difícil fazer declarações genéricas.
Mas concordo que a maioria dos muçulmanos não
é fundamentalista, a maioria dos fundamentalistas
não é terrorista, mas a maioria dos terroristas é muçulmana atualmente. Muitos perguntam: "Por que
você os chama de terroristas islâmicos e não chama
os bascos e irlandeses de terroristas cristãos?". Porque os bascos e irlandeses não reivindicam estar lutando pela cristandade. Se eles dizem que estão cometendo esses atos em nome do islã, isso é o que a
mídia corretamente relata.
Como tem agido a imprensa na cobertura do terrorismo?
A imprensa nos dá uma gama muito ampla de respostas, mas eu diria que muitas delas estão ajudando
e incentivando os terroristas ao dizer a eles que estão
ganhando. No caso do Iraque, tudo de mau que
acontece é reportado prontamente e em detalhes.
Mas a imensa melhoria do Iraque, que inclui serviços públicos e educação, quase não é mencionada
por grande parte da mídia.
Existe a possibilidade de que o aiatolá do Iraque chegue
ao poder justamente por meio da democracia. Os EUA se
veriam, então, diante de um novo Irã?
Esse é um perigo. Mas deixe que eu me expresse deste modo: democracia é um remédio forte que deve
ser dado em doses pequenas e graduais. Se der uma
dose grande muito rapidamente, você mata o paciente. Democracia requer habilidade, experiência e
todo tipo de técnicas totalmente desconhecidas na
maioria dos países do Oriente Médio.
Não há sentido em já ter eleições num país que
nunca teve procedimentos eleitorais. Ter eleições livres e justas não é a inauguração, mas a culminância
do processo democrático.
Em "Os Assassinos" (ed. Jorge Zahar), o sr. diz que os
membros dessa seita xiita do século 10º não esperavam
sair vivos das missões, mas não se suicidavam. Como explicar os suicídios atuais?
De acordo com os ensinamentos islâmicos, o suicídio é um pecado capital. Qualquer pessoa que cometa suicídio vai direto para o inferno e sua punição será a eterna repetição do ato que causou sua morte.
Os "assassinos" não cometiam suicídio. Eles entravam no local da missão sabendo que não poderiam
escapar, mas não se matavam com as próprias mãos.
Isso é novo e muito estranho à lei islâmica.
O que o explicaria, então?
Essa é uma das muitas introduções ao islã feitas pelo
wahhabismo, uma seita muito extremista que apareceu no final do século 18. Ela se manteria marginal
não fosse por duas razões: a criação do reino saudita,
governado por Ibn Saud, e a imensa riqueza obtida
por ele graças ao petróleo. O wahhabismo se transformou numa força mundial no islã, com uma influência tremenda sobretudo sobre a diáspora muçulmana. Os países islâmicos conseguem exercer algum tipo de controle sobre ele, mas em países não-islâmicos não existe esse controle sobre o que é ensinado nas escolas. Há um ensino muito mais extremo
em escolas muçulmanas da Europa e da América do
que na maioria dos países islâmicos.
Por que a questão palestina tem levado tantas décadas
para se resolver?
Essa é uma parte essencial do aparato político dos
países árabes. Os governantes precisam desses agravos e ressentimentos para desviar a ira do povo. Caso contrário, eles mesmos serão objeto da ira. Nos
países árabes, a queixa a respeito de Israel é a única
que pode ser expressa livremente. Mas o problema
palestino é apenas um entre os vários que vemos ao
longo das fronteiras do mundo islâmico, como Kosovo, Bósnia, Tchechênia, Caxemira, Sudão e Timor.
Todos esses pontos são manifestações de um mesmo
grande problema entre o islã e o não-islã.
Por que a questão palestina recebe mais atenção?
Por duas razões. A primeira é que Israel é uma democracia, então a mídia pode entrar, sair e fazer seu
trabalho livremente. Israel é o país com a terceira
maior presença de jornalistas no mundo, atrás apenas de EUA e Inglaterra. A segunda razão é que os judeus estão envolvidos. E judeus são notícia. A vantagem da questão palestina é que os agravos podem
contar com uma resposta imediata na Europa.
Quando lutam contra os cristãos, aí é mais delicado.
Não podem esperar que os cristãos se juntem a eles.
Houve recentemente um ataque terrível no oeste do
Sudão, mas ninguém lhe deu a mínima atenção.
Israel pode ter êxito mantendo a política de assassinatos
seletivos, como o do xeique Ahmed Yasin?
Não tenho a informação necessária para dizer. Mas
acho curioso que os presidentes Bush e Clinton estejam sendo condenados por não fazerem com Osama
bin Laden aquilo por que Ariel Sharon está sendo
condenado em relação a Yasin.
O senhor foi alvo de críticas de Edward Said, que condenou o preconceito e a ignorância dos orientalistas ocidentais em relação às culturas árabe e islâmica.
Edward Said estava certo ao condenar certas visões
sobre o islã. Ele estava errado ao atribuir essas visões
a mim e a outros orientalistas. Nem todo trabalho
orientalista é baseado no preconceito e na ignorância. Mas posso entender a atitude de Said. Era um
professor de inglês. E tendemos a julgar os outros
por nós mesmos. Ele sem dúvida presumiu que os
não-árabes que estudam árabe estão inspirados pelas mesmas motivações e atitudes que ele teve em relação à história e à literatura da Inglaterra.
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