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EM ENTREVISTA EXCLUSIVA, O HISTORIADOR DISCUTE A CRIAÇÃO DE DOENÇAS IMAGINÁRIAS NA ATUALIDADE
Patologias ficcionais
Divulgação
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"Eu preferiria estar me masturbando", diz panfleto do Mês Nacional da Masturbação nos EUA |
Adriano Schwartz
Editor do Mais!
Na entrevista a seguir, feita por e-mail, Thomas
W. Laqueur discute alguns dos temas abordados no livro que acaba de lançar nos EUA, "Sexo Solitário", e também em seu estudo anterior, "Inventando o Sexo": a perda de importância do orgasmo feminino, as razões do surgimento em pleno
Iluminismo da "doença masturbação" e da existência,
na atualidade, de uma série de patologias fictícias.
O historiador, que nasceu na Turquia em 1945 e se mudou para os EUA na infância, pretende alterar o seu foco de estudo e vai se dedicar, em seu próximo livro, a
analisar as relações entre a memória e os nomes.
Como o sr. analisa o fato de que, em um mesmo período
histórico, no século 18, a masturbação tenha se tornado
um problema tão grave, e o orgasmo feminino, um fato
tão sem importância?
Os filósofos, pedagogos e médicos do Iluminismo,
assim como a variada literatura popular que alimentou as idéias deles, estavam engajados no projeto de
repensar as fundações da ordem política e, mais genericamente, da ordem cultural. Em decorrência do
fato de a sexualidade estar tão profundamente conectada com o modo pelo qual as pessoas entendem
esses assuntos, também ela passou a ser objeto de
reavaliação. Assim, no caso do orgasmo feminino, as
mulheres deixaram de ser entendidas (por razões
que eu discuto em "Inventando o Sexo") como "versões" menos importantes dos homens e passaram a
ser vistas como radicalmente diferentes e complementares a eles. Parte disso advinha de uma radical
alteração nos modos de entender a natureza sexual
delas em relação à dos homens.
Já a masturbação, como eu discuto em "Sexo Solitário", se tornou um assunto tão importante porque
seus componentes -imaginação, privacidade e excesso- vieram a ser muito valorizados nas economias mercantilistas do século 18. Acreditava-se que
as mulheres eram especialmente vulneráveis a ela,
porque a imaginação delas era considerada muito
suscetível às excitações da ficção, porque elas -mulheres de classe média e alta- tinham relativamente
poucas diversões e porque, nessa nova história da reprodução humana, elas não produziam a semente,
apenas o desejo. O orgasmo "inútil" da mulher se
tornou o perfeito tropo masturbatório.
Em um trecho de seu novo livro, o sr. diz que a "masturbação é decididamente também "queer'", portanto ligada ao universo homossexual. O sr. poderia comentar essa passagem?
Quis dizer que a masturbação não se encaixa em nenhum dos assim chamados modelos "heteronormativos" de desejo nem se encaixa muito bem nos diversos tipos de escolha de objeto sexual dos gays. A
masturbação é o tipo mais puramente performático
de sexualidade, a sexualidade que está menos ligada
a convenções sociais. Eu uso "queer" no sentido de
instável. Os devaneios imaginativos da masturbação
desprendem o sonhador da realidade.
O sr. distingue alguma doença imaginária na atualidade
que se pareça de algum modo com a que o sr. estuda em
"Sexo Solitário"? A Aids, que não é de modo nenhum ficcional, é usada por determinados grupos com objetivos
semelhantes aos usados no caso da masturbação a partir
do século 18?
Essa é uma pergunta interessante para a qual eu
não tenho uma resposta completa. Certamente partidos de direita e grupos conservadores criaram, no
passado, questões inexistentes a partir da Aids para
fundamentar seus próprios objetivos, mas isso não é
o mesmo que criar a síndrome.
Eu também creio que as complexas respostas sexuais humanas se tornam intelectualmente manipuláveis quando são nomeadas. As companhias farmacêuticas, em busca de um Viagra feminino, transformaram a perda ocasional de libido e a falha em atingir um orgasmo em uma impotência feminina que é
"tratável". Estão sendo feitos atualmente testes para
determinar se as mulheres que tomaram drogas desse tipo ou similares respondem mais rapidamente a
filmes pornográficos do que aquelas que tomaram
placebo. Desse modo, sim, doenças imaginárias estão sendo criadas. E, em medicina, geralmente sintomas que não são aparentemente compreendidos são
colocados sob controle epistemológico quando recebem um nome: a "síndrome da fadiga crônica" é um
bom exemplo disso.
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