|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESTUDO LANÇADO NA FRANÇA DEFENDE QUE A PINTURA
EXALTADA DO EROTISMO NA ÉPOCA CLÁSSICA EXACERBA OS IDEAIS DO RENASCIMENTO
A ONIPRESENÇA DE EROS
Jean-Marie Goulemot
especial para o "Le Monde"
Abandonando as terras quinhentistas que lhe são mais familiares,
Michel Jeanneret propõe, em "Éros Rebelle - Littérature et Dissidence à l'Âge Classique" [Eros Rebelde
- Literatura e Dissidência na Época Clássica, ed. Seuil, 336 págs., 22 euros], uma
leitura dos franco-atiradores da era clássica e de seus arautos que se choca com
muitas idéias adquiridas.
O cenário está montado: instalam-se o
poder absolutista e a Contra-Reforma,
inicia-se um novo controle da vida pública e privada, da maneira de dizer e de
pensar, perseguem-se os segredos de alcova, Théophile de Viau é condenado à
morte por obscenidade.
O padre Garasse promete aos libertinos as chamas do inferno e da fogueira.
Ao mesmo tempo que se exaltam suas
alegrias, pintam-se com as cores mais
negras o amor e o destino trágico dos voluptuosos. Apesar da censura, porém, o
livre-pensar e a pornografia ganham terreno. Perseguido, Eros está em toda parte. O desejo condenado à ausência e à
dissimulação ocupa paradoxalmente o
proscênio.
O que representa essa grande liberação? Um movimento de compensação
ou de resistência? Jeanneret [professor
de literatura francesa na Universidade de
Genebra] escolhe seu campo desde o início. Para ele, a pintura exaltada do erotismo é dissidência. Ela se opõe à Igreja e às
novas sociabilidades impostas pelo poder político e cultural. Quanto caminho
dissoluto percorrido à vontade desde a
Idade Média, ou mesmo o Renascimento
exaltando um corpo dedicado ao prazer!
Agora é preciso usar máscara e fazer-se
hipócrita.
Essa tese tira o melhor partido da provocação, da repressão e dos estratagemas. Ela permite belas releituras, como a
do "Cid" [de Corneille], dos comentários
de Montaigne sobre Virgílio que exaltam
o prazer sexual, da impudência de Francion de Sorel, da sensualidade poética de
Ronsard. Sem esquecer a obscenidade
das poesias de Marc Papillon de Laphise
ou de Claude le Petit, autor de "Bordel
das Musas", queimado aos 23 anos.
Mas evitemos reduzir o ensaio de Jeanneret a uma salubre antologia de textos
raros. Por trás da vitrine suntuosa, existe
uma bateria de perguntas. Por que essa
presença da pornografia numa ordem
clássica, que quer equilíbrio e razão? Que
valor político lhe dar? O erotismo sob todas as formas é um verdadeiro lixo? Antes de Baudelaire, pretendeu-se que a Revolução era obra de voluptuosos.
Aqui a tese se baseia em fatos e restabelece coerências: o homem-máquina cartesiano que permite a descrição do indivíduo como máquina de gozo, ou a ligação natural da libertinagem do espírito à
do corpo, explicada a partir de uma aristocracia do prazer. Mas reduzir assim
um século à complexidade de suas restrições e de suas negações exige às vezes explicações pouco convincentes. Por que
fazer da adesão dos libertinos ao absolutismo uma atitude hipócrita? Naudé defendeu sinceramente um poder forte depois da Fronda parisiense que ameaçou
os livros sob sua guarda. Não há incompatibilidade entre libertinagem de costumes, contestação religiosa e adesão ao
absolutismo. Nossas categorias, jamais
confessadas, de progressista ou reacionário, aqui são anacrônicas. Em muitos
sentidos, no obsceno, o ideal do Renascimento só faz se exacerbar.
A língua dos poetas "satíricos" do século 17 não é uma inovação, mas um arcaísmo ao qual permanece ligada uma
aristocracia vencida, hostil à corte e às
novas sociabilidades. Por que enfim querer negar o valor lúdico da escrita de textos eróticos e de sua leitura? Do Renascimento ao século 17, mais que as mentalidades e as maneiras de escrever, apesar
da Escola de Meninas ou da Academia
das Damas, é a política do poder monárquico aliado à Igreja que muda. E considera que os versos que "fornicam as pessoas pelo ouvido" tornaram-se uma música insuportável.
Onde encomendar
Livros em francês podem ser encomendados, em
SP, na Fnac (tel. 0/ xx/11/ 3097-0022) e, no RJ, na
Leonardo da Vinci (tel. 0/ xx/21/ 533-2237).
Jean-Marie Goulemot é professor de literatura
francesa na Universidade de Tours (França). É autor de, entre outros, "Esses Livros que Se Lêem
com uma Só Mão" (Discurso Editorial).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
Texto Anterior: Maio, o mês da masturbação Próximo Texto: O irmão de Onã Índice
|