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Ponto de fuga
O massacre da serra elétrica
Divulgação
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Cena de "O Massacre da Serra Elétrica", de Tobe Hooper |
Jorge Coli
especial para a Folha
O título assusta qualquer um. Não se pode esperar
que alguém razoável entre no cinema para ver um filme
anunciado desse jeito tão forte. Parece dizer tudo, resumir a violência mais sanguinolenta. A publicidade também insiste na hemoglobina. Mas é uma pista falsa. As imagens não mostram muito sangue; quando ele surge,
em pequenas doses, possui antes um sentido ritual ou
cabalístico. Alguns críticos já assinalaram: os horrores
insustentáveis, desesperantes, no filme, brotam de uma
imagem que desvenda pouco. Ela pulsa no ritmo da
montagem viva e precisa, distende-se na câmera ágil,
que se precipita sem perder o controle.
Há também o som, o mítico som de "The Texas
Chainsaw Massacre", o som aterrador, como escreveu
um crítico do jornal "Le Monde", sem equivalente na
história do cinema. Um olho feminino é captado bem
de perto, como em "Um Cão Andaluz" [1929, de Luis
Buñuel], porém de vários modos e ângulos, com montagem agitada e insistente. A célebre navalha de Buñuel
se amplia, num paroxismo, transformando-se em serra
elétrica ou, antes, no ruído da serra elétrica.
Ossos, caveiras humanas e bovinas compõem móbiles ou estranhas esculturas, nos cenários das casas em
abandono. Evocam, ou prenunciam, certos caminhos
da arte contemporânea, certas instalações que nos anos
de 1970 ou 1980 pareciam ousadas em museus ou galerias. É um mundo em putrefação. Da tela como que
emana um cheiro podre de matadouro.
Grandpa - Tobe Hooper começava sua carreira quando
filmou "O Massacre da Serra Elétrica", com baixo orçamento. Foi em 1974, período rico de efervescências contestadoras. Seu autor lembrou em entrevista que o filme
recria uma situação genérica ou mítica, semelhante à
dos contos infantis, de João e Maria.
Instaura um simulacro de família, sinistro, ameaçador: os mais velhos se mumificaram e mesmo o cachorro doméstico é empalhado. Como se a relação entre
mãe e filho, em "Psicose" [1960, de Hitchcock", tivesse
se ampliado, e o vínculo binário se ramificasse.
O sentimento dos valores familiares em crise era forte
naqueles tempos. Mas há outra coisa, no filme, e mais
profunda: a recusa de um retorno à natureza, a algum
paraíso primordial, como em oposição ao "flower power", que explodira alguns anos antes. "O Massacre da
Serra Elétrica" assinala o fundo de violência originário
que existe nas fronteiras da sociedade organizada. Ele se
passa numa fímbria, onde o campo vai retomando seus
direitos, onde não se está ligado à rede elétrica, onde
não existe telefone e onde a gasolina falta. A salvação se
revela com o retorno à estrada e seus enormes caminhões. O civilizado é bom, a natureza o corrompe, para
inverter o dito de Rousseau.
Nesse sentido, ecoa no filme algo do "Deliverance", de
John Boorman (1972). Há ligações, porém, entre os dois
termos: na demência "natural" daquela família assassina desponta uma essência maligna sob a civilização.
Como se essa mesma civilização repousasse em fundamentos selvagens, descontrolados e homicidas.
Escala - O preconceito contra a produção cinematográfica norte-americana, sobretudo aquela destinada
ao grande público, não atinge a todos, felizmente. "O
Massacre da Serra Elétrica" foi proibido em alguns países, entre eles a França e a Inglaterra. Decerto o título assustou os censores, mais que o próprio filme. Mas "The
Texas Chainsaw Massacre" entrou para a história do cinema e ganhou lugar permanente no acervo do MoMa.
Ele pode ser agora visto facilmente no Brasil: a revista
"DVD News" lançou, no mês de abril, "O Massacre da
Serra Elétrica", nas bancas, por R$ 17,90. A imagem do
DVD é passável, e o som, excelente.
Obra - O resto da produção de Tobe Hooper costuma
ser desdenhada. É injusto: sem contar "Poltergeist"
(1982), entre outros, vários, "The Fun House" ("Pague
para Entrar, Reze para Sair", 1981), tão desprezado por
especialistas, encontra uma poesia assustadora, ao explorar o mundo um pouco à parte, e tão fascinante, dos
parques de diversão.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: jorgecoli@uol.com.br
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