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Onde os velhos não têm vez
O ESCRITOR ESCOCÊS IRVINE WELSH, DE "TRAINSPOTTING", VIAJA À FLÓRIDA E CONCLUI QUE ELEIÇÃO SE DECIDIRÁ PELO CONFRONTO DE GERAÇÕES
IRVINE WELSH
Há algo estranhamente incompatível em Janet Jorgulesco, enquanto
conversamos sentados no bar iluminado de um
clube noturno de Miami
Beach.
É a tosse que pontua sua
conversa: um pigarro sufocado
que eu associo mais a velhinhos nos bares forrados de serragem e cuspe no Leith Walk
de Edimburgo do que a essa
moradora da Flórida muito
ciente de sua aparência.
A tosse é um resquício de
uma segunda crise de pneumonia, recorrente depois de uma
volta ao trabalho apressada.
Funcionária das indústrias
de promoções imobiliárias e lazer, típicas de Miami, Janet,
como a maioria dos americanos, está dolorosamente consciente de que há sempre alguém esperando para ocupar
seu lugar se você não estiver lá.
Ao voltar à luta cedo demais,
ela está jogando com a saúde,
mas diz: "Não tenho seguro e,
quando adoeço, só posso esperar melhorar. Se tivéssemos
uma saúde pública mínima, seríamos cidadãos mais fortes e
mais viáveis".
Lá fora o ar está perfumado.
As férias de primavera terminaram, e Miami se prepara para mais um verão radiante.
Mas Janet, como muitos moradores da Flórida, está menos
preocupada com festas na
praia do que com a batalha política dos próximos meses até
novembro, quando o Estado,
ainda marcado pelo escândalo
da apuração de 2000, que deu
uma vitória incrivelmente
apertada a George W. Bush,
ajudará a decidir entre o velho
e o novo, na forma de John
McCain e Barack Obama.
Alguns dizem que a decisão é
na verdade entre um negro e
um branco, tese discutida na
Virgínia Ocidental e em outros
Estados pobres e brancos.
A Flórida, porém, situada no
sul profundo, mas não exatamente parte dele, salienta uma
outra divisão -que poderá se
mostrar mais importante para
a eleição presidencial.
Aqui, a batalha McCain-Obama é entre gerações de americanos: o veterano de guerra
contra o enigma que parece pelo menos dez anos mais jovem
que seus 46. A surpresa dessa
disputa é que, com Hillary
Clinton fora, a tão falada geração "baby boom" foi eliminada
da corrida.
Obama surfa em uma onda
demográfica diferente - Morley Winograd e Michael Hais,
autores de "Millennial Makeover" [Repaginação do Milênio,
Rutgers University Press, 336
págs., US$ 24,95, R$ 40], indicam que em 2010 a chamada
geração do milênio (os nascidos a partir de 1982) vai superar a dos "baby boomers", nascidos depois da Segunda Guerra Mundial.
Eles também afirmam que
aproximadamente 40% dessa
geração do milênio é de afro-americanos, latinos, asiáticos
ou mestiços. Um em cada cinco
"milenares" tem um dos pais
imigrante. E Miami é o epicentro multicultural dos EUA.
A (autodenominada) "cidade
do futuro" muitas vezes parece
mais com Bancoc ou Bogotá do
que qualquer outra cidade
americana.
Esta é a nova ilha Ellis, o
principal porto de entrada para candidatos a americanos. Deveria ser um território fértil para um candidato genuinamente
multicultural.
Eu moro em Miami durante
parte do ano. Minha mulher,
natural de Chicago, é acólita de
Obama desde que ele concorreu ao Senado em Illinois.
Desde então, registrei mentalmente vários norte-americanos semelhantes a ela: brancos suburbanos na faixa dos 20
anos, de mentalidade independente, atraídos para a política
partidária por esse candidato
carismático.
Por isso estou conversando
com eleitores brancos e hispânicos jovens do "Estado Ensolarado" para tentar avaliar o
apelo de Obama e determinar
suas probabilidades de vencer a
eleição.
Pobreza nova
Vamos relembrar: Obama está se saindo bem com os eleitores negros. É um sucesso com o
eleitorado branco, bem educado, da classe média alta.
O espinho no seu pé têm sido
os brancos da classe trabalhadora -e é aqui que a equipe de
Obama vai jogar a carta da idade. Pela primeira vez na história, os americanos brancos de
classe média de 20 e 30 anos
enfrentam a possibilidade de
ser mais pobres que seus pais.
Os diplomas superiores que
eles possuem podem lhes dar
pouco mais que empregos no
comércio. E a palavra tabu "recessão" agora está sendo citada
abertamente.
Números recentes do Federal Reserve [o banco central
dos EUA] mostram que pela
primeira vez as famílias norte-americanas estão ficando mais
pobres -a riqueza total das famílias diminuiu US$ 533 bilhões no quarto trimestre de
2007. Os preços das ações estão
caindo e os das residências
também.
Muitos estão irritados por
serem excluídos do dividendo
de paz depois do fim da Guerra
Fria, acreditando que se fabricou uma nova ameaça para
manter o apetite voraz do complexo militar-industrial movido a petróleo -à custa dos empregos e da saúde pública.
Tipicamente, os jovens americanos viram suas famílias
mudarem atrás de trabalho
-em vez de verdadeiras oportunidades- e se afastarem das
antigas redes sociais.
Teorias conspiratórias
Matthew Yeasted, 30, um nativo de Baltimore, mudou-se
para a Flórida há seis anos. "Socialmente, este não é um bom
país para viver", diz. "Somos o
único país desenvolvido que
deixa seus cidadãos morrerem
se não puderem pagar o seguro-saúde."
No entanto a política dos jovens americanos parece se definir cada vez menos pelas linhas tradicionais "liberal" e
"conservadora" e, em vez disso,
parece ter uma perspectiva
mais libertária.
Michelle Sanchez, 25, é diretora de marketing de uma companhia de lazer e uma libertária
dedicada. Chega ao nosso encontro trazendo muitas anotações. "Devemos parar de querer ser a polícia do universo",
diz. "Internamente estamos desmoronando."
Preocupada com o livre comércio, Sanchez teme que os
pactos que os EUA estão fazendo com o México e o Canadá sejam os primeiros passos para
perder o dólar e abandonar a
soberania. Essa geração de eleitores está menos preocupada
com exportar a democracia para o mundo todo por meio da
força militar do que com a situação problemática da democracia em seu próprio país.
Christie Samoville, 32, diretora de vendas e marketing da
Intel, enfrentou o tráfego pesado para me encontrar no restaurante mais famoso de South
Beach.
Acaba de voltar para os EUA
depois de trabalhar durante
três anos no Brasil e sente que
seus colegas estão "cansados
dos velhos brancos". Samoville
se descreve como "socialmente
democrata e financeiramente
republicana", mas está inclinada para Obama.
Talvez isso não cause surpresa em uma pessoa moderada e
viajada. A origem étnica mista
de Obama e sua disposição a
questionar as tradições da política externa dos EUA o distanciam de políticos do establishment, como Hillary Clinton,
George W. Bush e John
McCain, assim como de ativistas negros tradicionais, como
Jesse Jackson e Al Sharpton.
Adaptação
Além disso, o estilo de liderança "adaptativo" de Obama
atrai essa geração mais jovem.
Marty Linsky, professor convidado da Kennedy School [da
Universidade Harvard] e co-fundador da Cambridge Leadership Associates, explica o
termo: enquanto o líder "visionário" tradicional apresenta
um plano específico a ser implementado, um líder adaptativo trabalha com os eleitores para criarem juntos o plano.
Obama, segundo Linsky,
"propõe planos que envolvem
confiança na comunidade como um todo".
"Sinto-me exaltado, como se
estivesse de volta à faculdade,
com essa sensação de que realmente podemos fazer alguma
coisa aqui", diz Nick Porras, um
recém-convertido à causa de
Obama. Um advogado de 35
anos originário de Nevada, Porras é um republicano que acredita que "um país só é tão bom
quanto seus mercados".
Seu respeito por Obama decorre do que considera a "inteligência e integridade" do candidato -e foi cimentada por
uma recomendação pessoal.
Um de seus amigos foi colega
de classe de Obama e disse a
Porras: "Você nunca conheceu
alguém com tanta integridade
pessoal na sua vida". "Isso me
conquistou", diz.
Essa é a geração Wikipédia. A
informação dos colegas é muitas vezes considerada mais
confiável e digna de crédito do
que a mensagem imposta de cima para baixo.
Não é exagero otimista: estudos mostraram que os sobreviventes do atentado às Torres
Gêmeas tendiam a ser aqueles
que confiavam nos colegas,
mais que na informação oficial.
Mundo colorido
Talvez seja heresia para o
culto do líder imperial, na política ou nos conselhos administrativos dos conglomerados de
mídia, mas é o futuro.
O presente, entretanto, pode
ser uma questão um pouco diferente. Michelle Sanchez não
votará em Obama -nem em
nenhum outro candidato- em
novembro.
"Obama, McCain são essencialmente a mesma coisa: não
vão confrontar o poder das
grandes corporações."
Yeasted, que é gay, não está
impressionado com a posição
de nenhum candidato sobre o
casamento entre pessoas do
mesmo sexo. "Os políticos
mentem, só querem dar aos lobistas e a todo mundo o que
querem escutar."
O status quo significa que
Yeasted e seu parceiro canadense continuam de fato cidadãos de segunda classe, mas ele
admite que a política é a arte do
possível. Estar muito à frente
do eleitorado é tão suicida
quanto ficar atrasado demais.
Um homem cujo negócio é
colocar o dedo no pulso de Miami é seu filho nativo e "bon vivant" John Hood, que promove
vários clubes noturnos e escreve para quase todas as revistas
da cidade.
Uma festa ganha status
quando você avista seu chapéu
panamá e seu terno de linho.
Sair por uma noite com "The
Hood" às vezes é parecido com
estar em campanha eleitoral.
Enquanto percorremos um itinerário impraticável de bares,
restaurantes e boates, ele opina
sobre a situação da disputa.
"Juventude e inspiração são
os principais componentes da
Obamamania. É claro que sua
juventude é relativa e sua inspiração, cada vez mais apoiada
em platitudes, mas a América é
obcecada pela juventude e ficou muito tempo sem alguém
inspirador." Para ele, "a grande
questão é se podemos superar o
fator raça".
Hillary mostrou aos republicanos como conter o avanço de
Obama -e lhes deu uma amostra do que vai enfrentar contra
McCain. Com o desespero dos
republicanos disputando a eleição em uma possível recessão, a
questão talvez não seja se devem jogar sujo (e, contra Obama, isso significa usar a carta da
raça), mas como.
A tradicional mensagem da
direita americana contra os impostos e gastos públicos atinge
um tom agudo com um orçamento de guerra mensal de
US$ 15 bilhões para financiar e
o Irã já na mira do Pentágono e
dos falcões políticos. Encolher
os ombros e atribuir a situação
atual ao ciclo comercial não vai
impressionar esse eleitorado.
Republicanos datados
A tese econômica de que os
cortes de impostos para os ricos "escorreriam para baixo" e
beneficiariam a sociedade como um todo, defendida pelo governo Bush, mais uma vez não
se confirmou.
Decidir minar a posição de
Obama como o negro em quem
os brancos dos subúrbios podem confiar (pintando-o como
um O.J. Simpson, mais que um
Tiger Woods) é uma estratégia
perturbadora. Se atingir a nota
errada, poderá resultar no colapso eleitoral para os republicanos. Se o truque der certo,
significa grandes problemas
para a sociedade americana.
Muitos dos novos americanos não vêem mais seu país como uma terra prometida.
Michelle Sanchez deseja viver em Cingapura, Matthew
Yeasted acha que seu futuro
talvez esteja no Canadá. Barack
Obama pareceria oferecer ao
país sua melhor chance de se
modernizar. Se essa oportunidade não for aproveitada, diante do entusiasmo que ele trouxe
de volta à política, a desilusão
está no horizonte.
"Muitos eleitores brancos
nunca votarão em um negro, e
esses tendem a ser os eleitores
mais velhos", diz Christie Samoville. "Raiva" [em inglês,
"rage"] soa perturbadoramente
como uma mistura de raça e
idade [em inglês, "race" e
"age"], e talvez muito disso ainda circule pelos EUA até que se
conheça o destino de Barack
Obama nas eleições de 2008.
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
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