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+ Cultura
Abuso ou mistificação?
Revista australiana reacende debate sobre censura à arte ao exibir na capa foto de
menina nua
KATHY MARKS
A imagem em si é
simples. Mostra
uma menina de seis
anos em pose recatada, sentada sobre
uma pedra diante de um fundo
de penhascos brancos.
O impacto deriva do fato de
que a menina está nua e de a foto ter sido usada como capa de
uma das mais importantes revistas australianas de arte.
Segundo o editor da "Art
Monthly", a capa deste mês é
um esforço de "restaurar a dignidade" do discurso quanto aos
retratos artísticos de crianças.
Para seus críticos, entre os
quais o primeiro-ministro australiano Kevin Rudd [trabalhista], é "repulsiva".
O que a revista conseguiu foi
colocar para ferver a controvérsia mais ou menos controlada que sempre existiu sobre a
diferença entre arte e pornografia, em um país com uma
longa tradição de censura.
O debate estava perto de explodir desde que a polícia realizou uma busca em uma galeria
de arte em Sydney, em maio, e
apreendeu fotos de garotas
adolescentes nuas, trabalho do
renomado artista Bill Henson.
A polícia desistiu discretamente do inquérito sobre o caso duas semanas mais tarde,
por não ter encontrado nada
que justifique acusações contra
Henson ou a galeria -que reabriu a exposição [sem as fotos
controversas].
A capa da "Art Monthly", trazendo mais duas fotos da menina nas páginas internas, tinha a
clara intenção de provocar. E
conseguiu, gerando apelos pelo
cancelamento das verbas públicas que a revista recebe e por
novos protocolos para a representação artística de crianças.
Embora os defensores da liberdade artística tenham expressado apoio ao direito da
"Art Monthly" de publicar o
que quiser, organizações de defesa das crianças se sentiram
agredidas.
Mas a controvérsia se complicou devido à intervenção de
dois participantes inesperados.
A primeira foi Olympia Nelson,
a menina da foto, feita cinco
anos atrás por sua mãe, Polixeni Papapetrou. A segunda foi
Henson -ou, pelo menos, uma
"fonte próxima a ele".
Tiroteio
Olympia, que hoje tem 11
anos, disse: "Fiquei muito ofendida com o que Kevin Rudd disse sobre a foto. É uma das minhas favoritas entre as fotos
que minha mãe tirou de mim".
Mas a pessoa próxima a Henson afirmou que o artista acreditava que a escolha da imagem
da capa demonstrava "um lapso de julgamento que só serve
para promover um aprofundamento das divisões em nossa
comunidade".
O comentário talvez revele
mais sobre o medo de Henson
de ser acusado de pornografia
infantil do que sobre suas opiniões sinceras.
Mesmo assim, serve para
animar a campanha de Hetty
Johnson, uma ativista da proteção às crianças, para a qual
"quando [arte e pornografia]
colidem, temos de errar em benefício das crianças. Precisamos traçar uma linha na areia
-porque fica evidente que algumas das pessoas no mundo
das artes não desejam fazê-lo-
e dizer que daquele limite ninguém deve passar".
Mas exatamente onde esse limite deve ser estabelecido continua tão obscuro quanto sempre foi.
Os liberais argumentam que
tudo depende de conteúdo e intenção -se a intenção do artista não era excitar, a obra não é
pornográfica. E existe uma diferença entre postar imagens
de crianças nuas na web e exibi-las em uma galeria.
Mas, para Johnson, todas as
imagens de crianças nuas são
sexuais e deveriam ser proibidas. Para esses ativistas, o que
Olympia tem a dizer sobre o caso é irrelevante. Ela não poderia ter consentido em posar para a foto aos seis anos e, aos 11,
continua a não ser madura o
suficiente para se pronunciar
sobre os prós e contras do caso.
Uma vez mais, é provável que
o assunto vá parar nas mãos da
polícia, graças a Brendan Nelson, líder da oposição no Parlamento, que solicitou que as autoridades investiguem o caso.
Tradição australiana
O debate é velhíssimo, sem
dúvida, e não está confinado à
Austrália. O país tem uma longa
história de censura, e aqueles
que ainda se recordam dos livros que eram proibidos nos
anos 1940, 50 e 60 devem ser
perdoados caso sintam a desagradável sensação de que já viram esse filme.
Entre os trabalhos proibidos
estavam "Ulisses", de James
Joyce, "Numa Terra Estranha",
de James Baldwin, "Admirável
Mundo Novo", de Aldous Huxley, "Os Nus e os Mortos", de
Norman Mailer, e, naturalmente, "O Amante de Lady Chatterley", de D.H. Lawrence.
As artes plásticas também
sofreram repressão. Em 1982, a
polícia invadiu a galeria de
Roslyn Oxley, em Sydney, onde
a exposição de Henson seria
realizada, e removeu trabalhos
do artista Juan Davila, australiano nascido no Chile. As imagens sexuais explícitas de seu
trabalho foram declaradas
ofensivas à moral pública.
O Australia Council, organização pública que subvenciona
a revista, a defendeu, afirmando que "por muitos anos nossa
sociedade se provou capaz de
distinguir entre criatividade artística e a exploração sexual de
crianças, o que é completamente inaceitável".
A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Paulo Migliacci.
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