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+ arte
AOS 93 ANOS, A ESCULTORA
FRANCO-AMERICANA FALA DA
RELAÇÃO COM DUCHAMP
E DA INFLUÊNCIA DO
FEMINISMO EM SUA OBRA
A DÁDIVA
DOS
DEUSES - Louise Bourgeois
Angel Molina
do "El País"
É difícil falar de Louise Bourgeois (nascida em
Paris, em 1911) de maneira comedida e sensata.
Basta ter contato com sua obra, capaz de nos
convencer de maneira bela e irrefutável. Tentar
explicar os grandes temas expressos em seus desenhos e esculturas -como, por exemplo, o sentimento de perda e a paisagem que ele deixa no inconsciente, a arquitetura e o corpo, a aceitação do "eu" (o espelho), a infância e a sexualidade- é algo que se opõe à
imaginação.
Aos 70 anos de idade, quando sua obra ainda era
pouco reconhecida, o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, cidade onde Bourgeois vive desde
os 27 anos, lhe dedicou sua primeira grande retrospectiva.
Desde então, a trajetória de Bourgeois vem sendo
acompanhada por colecionadores e diretores de museus de todo o mundo. Nos últimos anos, bienais,
centros de arte e galerias vêm popularizando o trabalho dessa grande criadora. Como resultado dessa
"moda", é possível que, em pouco tempo, a paixão
pela obra de Louise Bourgeois corra o risco de ser vista como pitoresca.
Fotos descoloridas de todo tipo, frases, desenhos
feitos à mão e um papel de parede envelhecido recobrem a sala da casa da artista, no bairro de Chelsea,
onde passa a maior parte do tempo. Já imaginamos
assim a sala de Gregor Samsa [de "A
Metamorfose", de Kafka], com suas
escadas que permitem que se chegue
ao mundo dos vivos desde o sótão,
onde Louise Bourgeois trabalha e onde só entram os eleitos.
O espírito e a força dessa mulher
frágil continuam aparentes em suas
palavras, que são o eco de toda sua
obra, um grito humano contra o caos
e a destruição -são um chamado de
esperança, que é certamente a qualidade que melhor distingue Louise Bourgeois como
artista.
A sra. afirma que nascer artista é tanto um privilégio
quanto uma maldição. Como explica esses sentimentos contraditórios?
Há anos venho abrindo minha casa (aos artistas
jovens) todos os domingos, para que me mostrem
seus trabalhos. Meu "salão" recebe não apenas artistas plásticos, mas também escritores, poetas,
músicos, cantores e bailarinos. Eles vêm pedir ajuda, estímulo, aprovação ou recomendações. Para
alguns, nossa avaliação é a única oportunidade
que eles têm de compartilhar seu trabalho com os
demais.
É verdade que eu sempre disse que um artista
nasce feito, não se faz. Manter uma relação contínua com seu trabalho pode ser muito difícil, pois
há muitos obstáculos que podem atrapalhar.
Certa vez eu colei na parede a seguinte declaração de princípios: "Não sou agência de colocação
profissional. Não posso conseguir uma galeria para você. Talvez você necessite de um psiquiatra ou
médico...".
Ser artista implica a incapacidade de crescer e enfrentar o mundo real. Portanto, ser capaz de sublimar a realidade é uma dádiva dos deuses. Eu sempre disse que a arte é garantia de bom senso.
Em sua obra, o medo do sexo e da morte é o mesmo, a
atração e o medo se movem de uma parte a outra. Para
uma artista, qual é a causa e qual é o efeito?
Meu trabalho trata das emoções que acontecem
antes da diferenciação de gênero; me interessam as
coisas que não são nem pretas nem brancas. Gosto
de me mover por essas áreas intermediárias, mais
cinzentas. Comunicá-las é difícil, fazer com que as
pessoas gostem de você é difícil.
A sra. sempre afirmou que sua obra não tem relação nenhuma com o feminismo. Contudo nota-se um certo
tom de humor feminista em suas "celas", por exemplo.
Sou feminista porque acho que as mulheres deveriam ter os mesmos direitos e oportunidades que
os homens. Tive sorte porque minha mãe era feminista (seu nome, Louise, lhe foi dado por sua mãe
em homenagem a Louise Michel, a Rosa Luxemburgo francesa), meu marido também o era e, agora, meus filhos também.
No meu trabalho eu zombei do "macho man" e
do complexo de Don Juan, algo que está relacionado à minha revolta contra meu pai. Mas o trabalho
nunca é uma declaração política. É preciso ir mais
além ou ficar acima disso.
Como a senhora vive seu sucesso tardio?
Gosto de exibir meu trabalho em
todo o mundo, mas não sinto isso
como incentivo. Na realidade, não
me envolvo no planejamento de
minhas exposições. Dedico-me
apenas a trabalhar.
A sra. tem 93 anos. De onde vem sua
inspiração?
De minha infância -aqueles sentimentos ainda continuam vivos.
A sra. trabalha com a mesma energia
mental? Como é um dia normal seu?
Minha jornada de trabalho é muito rígida e repetitiva. Dependendo do estado de humor em que estou, desenho sem parar ou faço gravuras. A escultura requer um nível diferente de concentração e
uma energia psíquica. Trabalho em muito poucos
pedidos grandes, porque requerem a colaboração
de outras pessoas.
A sra. conheceu Marcel Duchamp. Qual é sua opinião
sobre a influência dele na arte contemporânea?
Ele foi de grande ajuda quando fiz minha primeira
exposição de escultura. Minha galeria ficava perto
do lugar onde ele costumava ir jogar xadrez. Lembro que ele levou pessoas importantes do mundo
da arte para ver minha exposição. Acho que seu
trabalho foi crucial para a história da arte, mas não
para meu trabalho. E não acredito que sua influência tenha produzido arte importante. A mim não
me interessa a história -interessam-me as emoções e tudo o que tenha a ver com a sensação de estar viva.
Tradução de Clara Allain.
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