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+ sociedade
A QUINTA ESTAÇÃO DO MEDO
Roupas que protegem do excesso de informação, de ruído e da violência urbana compõem o figurino do "novo homem supermoderno"
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Annalisa Barbieri
do "Independent"
Funcionando paralelamente ao mundo cotidiano
da moda -qual é a forma de perna de calça ou a altura de salto consideradas "in"-, há outra corrente da moda que a maioria das pessoas nem sequer percebe. Essa corrente está tão à frente de si mesma que pertence a um tempo que ainda não chegou
-preparando-nos para um mundo que talvez nunca
vejamos. Um lugar em que as roupas evoluem por motivos além do mero espetáculo. Esse outro mundo é tema de um novo livro: "The Supermodern Wardrobe"
(O Guarda-Roupa Supermoderno, 143 págs., 25 libras,
V & A Publications, Inglaterra), de Andrew Bolton.
Bolton teve a inspiração para escrever o livro depois
de ler "Não-Lugares" (ed. Papirus), do antropólogo
francês Marc Augé, que examina as áreas de transição
-aeroportos, estradas, metrô-, lugares em que vivenciamos uma quantidade excessiva de informação, mudanças de espaço, temperatura e ruído, mas com os
quais não temos envolvimento emocional.
"Quanto mais eu pensava nisso, mais pensava nos estilistas que estão reagindo a esses lugares, desenhando
roupas que oferecem abrigo contra temperatura, ruído
e poluição, além de proteção contra o crime nas ruas e o
olhar das câmeras de vigilância", diz Bolton. "Fiquei intrigado com a idéia de uma quinta estação, em que você
controla seu ambiente." Bolton é um antropólogo por
profissão, mas hoje trabalha como curador-associado
no Instituto da Vestimenta do Museu Metropolitano de
Arte, em Nova York. Antes disso ele trabalhou no Museu Victoria e Albert, em Londres; sua última exposição
lá foi "Homens de Saias".
Essa quinta estação nos chega sob a forma de vestimentas que vão desde os verdadeiros trajes de ficção
científica -que controlam sua temperatura e o tranquilizam quando você estiver estressado- a coisas
bem mais práticas: bolsos ocultos para enganar batedores de carteiras, roupas dupla-face ou com zíperes, que
oferecem maior versatilidade. Para ter o rótulo "supermoderno", porém, elas devem ir além da mera função
ou do fator visual. Eu investiguei por que as roupas tradicionais para trabalho ao ar livre, como as usadas por um guarda-florestal, por exemplo, não são supermodernas, já que também evoluíram para funcionar de acordo com o ambiente.
Excesso e proteção
"Para uma coisa ser supermoderna, o principal é o contexto", explica Bolton. "A supermodernidade tem a ver com um excesso e a proteção dele. E, também, num espaço supermoderno você se desliga do ambiente [o oposto do que faria um guarda-florestal]. Para que as roupas sejam supermodernas, devem ajudá-lo a fazer isso." Se você já usou um jornal como escudo do mundo exterior, em um trem, avião ou ônibus, ou um equipamento de som pessoal para tentar
criar seu próprio espaço, já deu os primeiros passos para ser supermoderno.
A supermodernidade é o domínio das roupas esportivas e dos uniformes profundamente funcionais e práticos. Os bolsos são um dos pré-requisitos do supermoderno. Zíperes ou botões de pressão são outro.
Se a roupa puder se transformar de casaco em cadeira,
digamos, tanto melhor. Mas a marca absoluta do supermoderno é que o traje deve proteger de alguma maneira
o usuário de seu ambiente urbano transitório.
A "Vexed Parka", da grife britânica Vexed Generation, é provavelmente o traje mais supermoderno mostrado no livro. Ele preenche todos os critérios: é uma
vestimenta adaptada para ajudar o usuário a enfrentar
o ambiente urbano. É um triste reflexo daquilo de que
precisamos nos proteger. Criado pelos fundadores da
Vexed Generation, Adam Thorpe e Joe Hunter, ele foi
feito em reação às táticas cada vez mais militares da polícia durante as demonstrações políticas em Londres.
Feito de náilon balístico (um dos componentes dos coletes à prova de bala), seu desenho imita os trajes da polícia antimotins; é resistente a golpes de faca e ao fogo,
reforçado na região dos rins e da coluna e tem cordões
para serem amarrados entre as pernas. Parte do projeto
visa a proteger o usuário contra as "carícias" policiais.
Alguns, como os modelos da CP Company, empresa
italiana de roupas esportivas, são mais conceituais que
realmente práticos: um casaco com capuz que se transforma em rede de dormir, uma jaqueta de poliuretano
inflável que se transforma em poltrona. A idéia é supermoderna, mas a aplicação é duvidosa. A idéia de abrigo
também é um dos componentes do supermoderno.
Proteger-nos dos elementos enquanto nos deslocamos,
mas também roupas que se tornam casas móveis, em
forma de barracas. "Mas não tenho certeza de até que
ponto essas barracas nos protegeriam", diz Bolton.
Na vanguarda do desenho supermoderno mais prático estão etiquetas que associamos à transitoriedade: estilistas de bagagens como Mandarina Duck e Samsonite. A coleção Blacklabel Travel Wear, da Samsonite, foi
lançada no início de 1999 e desenhada por Neil Barrett,
antigo estilista masculino de Gucci e Prada. A Blacklabel nos deu o "Casaco para Carro Antiestresse", feito de
uma fibra "antiestresse" que bloqueia as ondas magnéticas e que tem suportes no pescoço e nas costas, além
de uma bola de borracha costurada dentro do bolso na
manga, para você se acalmar enquanto a aperta.
Em meados dos anos 90 a Philips se uniu à Levi's para
trabalhar em "eletrônica usável". Embora grande parte
dela continue na fase conceitual, a dupla agora lançou
sua linha Industrial Clothing Division Plus (ICD+). Até
agora ela inclui quatro jaquetas, que permitem ao usuário controlar seu espaço imediato -as jaquetas têm telefone GSM, reprodutor de MP3 e fones de ouvido, tudo
isso ligado por uma coisa chamada Personal Area Network ou PAN [rede de área pessoal".
A CP Company fornece uma jaqueta que não apenas
evita a poluição do ar (através de uma máscara presa ao
capuz), mas também a poluição sonora. Chamada "Life
Jacket", ela tem fones de ouvido anti-ruído, inspirados
por aqueles usados pelos controladores de tráfego aéreo, que cortam praticamente tudo o que você quer:
conversa, avisos, o chiado dos fones de ouvido de outras
pessoas no metrô.
Esses exemplos podem parecer exagerados, mas ocasionalmente o mundo mais decorativo da moda e o supermoderno se cruzam para que o supermoderno se
torne cotidiano. Basta ver coisas como as calças de combate cheias de bolsos, o colete reversível, o detestável
top com capuz Gap -atual uniforme da juventude rebelde- para constatar como esses itens, antes supermodernos, se tornaram parte de nosso vestuário cotidiano. O capuz, embora seja tão antigo quanto os romanos, é uma das aplicações mais sinistras do supermoderno. Estilistas como Thorpe e Hunter incorporaram
em suas jaquetas capuzes exagerados que ocultam quase totalmente o rosto, para proteger o usuário do olhar
das câmeras de vigilância, mas sua aplicação se tornou
mais ameaçadora do que protetora.
A jaqueta "Walkie Talkie", de Neil Barrett, ajuda os
pais a manter o rastro dos filhos em espaços transitórios
como shopping centers. Um microfone e um fone de
ouvido na gola interna ajudam a mantê-los em constante contato. A Philips Design também produziu um protótipo de jaqueta infantil que usa "antenas de tecido, rádio-etiquetas e câmeras remotas miniatura para indicar
a posição da criança".
Mas são os bolsos a característica mais integral da vestimenta supermoderna. Muitos estilistas desenvolveram o uso de bolsos a tal ponto que eles se tornaram a
principal marca de seu trabalho. Até aí nada de novo
-os bolsos liberam as mãos, o que nos ajuda a lidar
com qualquer eventualidade em "espaços transitórios".
É uma idéia tão antiga quanto as roupas. Bonnie Cashell
desenhou uma "saia-bolsa" em 1954: uma saia rodada
típica da época, tendo como bolso uma bolsa tradicional, com boca metálica, para manter os pertences seguros e fechados. Quase todos os estilistas atuais admitem
que bolsos nunca são demais, mas um que leva isso um
pouco além é o japonês Kosuke Tsumura, que desenhou um casaco com nada menos que 44 bolsos. Pode-se perguntar quem precisaria de tantos e como conseguiria encontrar alguma coisa neles sem certo grau de
frustração.
No entanto o guarda-roupa supermoderno pode ser
localizado antes dos anos 40. Suas raízes estão em estilistas como Jean Patou e Chanel, que imitaram elementos de trajes esportivos e os venderam para uma clientela abastada. Estilistas americanas como Bonnie Cashin,
Vera Maxwell e especialmente Claire McCardell realmente os levaram às massas nos anos 30, exatamente
numa época em que o mundo estava ficando obcecado
pelas viagens motorizadas.
Tudo isso é muito excitante, apesar de deprimente.
Embora Bolton afirme que "as roupas supermodernas
são geradas por nossa distância do futuro -não tanto
para nos proteger do que realmente acontecerá, mas da
idéia disso", essas previsões de nossas necessidades
mostram o que nos tornamos: uma tribo tão perturbada pelo ruído, pela própria presença de nossos colegas
passageiros, que precisamos nos proteger deles.
Ser supermoderno também é um ato supremamente
egoísta. Se você é capaz de controlar seu mundo imediato, pode esquecer o mundo externo. Enquanto ser supermoderno pode torná-lo autônomo, também pode
isolá-lo de todos. É irônico que, embora essas roupas se
destinem a nos ajudar a enfrentar os problemas do
mundo urbano externo, nós mesmos nos tornamos
parte desse problema. Afinal, embora essas roupas
atendam às necessidades humanas mais básicas -conforto e segurança-, elas dão vontade de ser realmente
supermoderno... e ficar nu.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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