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Linguagem e ideologia
Ideosfera: palavra que eu crio a partir de ideologia:
sistema linguageiro de uma ideologia, precisando
imediatamente, o que já torna inexata a definição: toda ideologia, para mim, é linguagem e nada mais do
que linguagem: é um discurso, um tipo de discurso.
Poderíamos imaginar outros neologismos: doxosfera:
esfera da linguagem da doxa. Ou ainda, já que se trata
de um discurso de fé: pisteosfera; ou ainda socioleto
("escritura" no "Grau Zero da Escrita"). Ou então, mais
simplesmente: logosfera: isso lembraria que a linguagem é, para o homem, um verdadeiro meio biológico,
aquilo em que e através do que ele vive, o que o cerca.
Seria com efeito necessário definir as "ideologias" por
sua linguagem, ela mesma definida, se possível, estruturalmente, pelos traços típicos da discursividade, e somente após isso veríamos se há correspondências entre
esses tipos de discurso e determinações sociopolíticas
-descobriríamos com certeza, em determinado mundo, várias ideosferas coexistentes, inteligíveis umas às
outras, mas sem comunicação entre elas.
Portanto (provisoriamente, já que se trata de simples
notas de pesquisa): ideosfera: sistema discursivo forte,
não idioletal (podendo ser imitado, falado, sem o saber,
por um grande número de homens), "socioleto" originado culturalmente em linguagens-prínceps (por
exemplo Marx, Freud): ao mesmo tempo gregárias e
não-anônimas (antes: epônimas).
[...]
A ideosfera tende a se constituir em doxa, isto é, em
"discurso" (sistema particular de linguagem) que é vivido pelos usuários como um discurso universal, natural,
óbvio, cuja tipicidade não é percebida e com relação ao
qual todo "exterior" é relegado à categoria de margem
ou desvio: discurso-lei que não é percebido como lei.
[...]
Ideosfera: círculo, sistema de idéias-frases, de idéias
fraseadas, de argumentos-fórmulas, portanto objeto
linguageiro essencialmente copiável e/ou repetível, portanto fenômenos muito importantes de mimetismo.
Pode haver um mimetismo (de uma determinada
ideosfera) consciente, deliberado, quer por maquiavelismo, no nível dos Estados, quer por conformismo
prudente, no nível dos indivíduos, cada vez que a ideosfera está ligada a um poder. Mas há também um mimetismo não-consciente: a ideosfera é inextricavelmente
ligada a uma fé.
[...]
Veja você mesmo, no círculo de suas relações, de seus
interlocutores: você vive numa ideosfera ou numa espécie de sinfonia complexa de linguagens incomparáveis?
Roland Barthes, "O Neutro".
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