São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004 |
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+ cultura "Braço direito" de André Breton e um dos teóricos do grupo, o escritor e historiador da arte Sarane Alexandrian fala do futuro do movimento Surrealismo, modo de usar
Leticia Maura Constant
Nos meios intelectuais franceses e europeus, o esboço de
um "revival" surrealista se delineia com traços firmes. Um
dos sinais mais evidentes dessa tendência foi a iniciativa de um grupo de professores e universitários franceses que
"ressuscitou", em março deste ano, o
"Caf Surrealista", no restaurante "La
Coupole", em Paris, organizando reuniões de leitura e discussão no mesmo
local onde os famosos e excêntricos integrantes do grupo se reuniram até
1939, quando explodiu a Segunda Guerra Mundial.
André Breton defendia com unhas e dentes uma ordem moral rígida e intransigente, que acabou desencadeando uma série de expulsões, decididas em violentos julgamentos. Por que o senhor também foi excluído do grupo, em 1948? É uma história complicada. Os surrealistas eram grandes fofoqueiros. Marcel Duchamp estava em Nova York na época em que o pintor armênio Arshile Gorki se suicidou. Duchamp contou ao grupo que Gorki tinha se matado por ter descoberto que sua mulher havia tido uma ligação com Matta. Assim que soube do fato, Breton acusou Matta de ser o responsável pela morte de Arshile Gorki e organizou um julgamento em que todos os membros do grupo compareceram. Breton propôs a votação para a exclusão de Matta, que, aliás, nunca pôde se defender, por "ignomínia moral". Todos votaram a favor, menos Victor Brauner, o doutor Pierre Mabi e eu. Como era muito jovem, e Mabi era o médico particular de Breton, fomos deixados de lado. Mas Brauner não tinha o direito de não votar. Breton o convocou para um novo julgamento, no Café de la Place Blanche, frequentado por todos os surrealistas de Paris. Victor Brauner estava doente e eu fui no lugar dele, para defender o seu ponto de vista. A sala estava lotada, os espíritos inflamados, parecia um processo "staliniano", uma loucura! Sem mudar minha posição, resolvi ir embora. No dia seguinte, fiquei sabendo que Victor Brauner e eu tínhamos sido excluídos do grupo. Fiquei muito infeliz, vivi muito mal essa decisão e me afastei definitivamente de Breton, sem jamais deixar de admirá-lo. As exclusões eram comuns. Salvador Dali foi expulso em 1939 por razões políticas, ele se definia como anarco-monarquista, e a doutrina do grupo era marxista. O pintor Max Ernst também não escapou e foi afastado em 1954, por ter aceitado o Grande Prêmio da Bienal de Veneza. Os surrealistas tinham por princípio recusar os prêmios das grandes instituições. Eu poderia citar dezenas de outros exemplos envolvendo artistas e escritores famosos. O surrealismo foi, acima de tudo, uma grande aventura espiritual, vivida por várias pessoas. O senhor acha que seria possível reviver essa aventura, hoje? Sim. Mas imagino um movimento mais amplo, internacional, com a participação de artistas de horizontes culturais diferentes, cuja sede seria em Paris, claro! Eu estive recentemente no Líbano, para uma série de conferências, e fiquei surpreso. Na capital, Beirute, encontrei muitos escritores apaixonados pelo movimento. Posso citar o poeta Abdul Kader El Janabi, que publicou aqui na França um retrato magnífico do surrealismo e da poesia, analisado sob a ótica árabe. Capitais européias, como Bucareste e Moscou, também têm promovido exposições, conferências e reflexões sobre essa corrente. Uma outra característica de um "surrealismo moderno" seria a síntese das artes, pois anteriormente nem todos os gêneros eram aceitos. Por exemplo, dentro da literatura, o romance não era admitido. Por último, acho que deveríamos buscar uma universalidade maior. O senhor recebe diariamente, em seu escritório, grupos de estudantes sedentos de vanguarda, com a idéia de fundar um novo movimento surrealista. Essa juventude estaria pronta para assumir novas ações e revoluções poéticas? Eles não têm o espírito livre que havia na época, essa intenção interna de ir além da história do próprio surrealismo. A preocupação com o futuro é um dos grandes empecilhos para que eles soltem o seu "eu". Mas é aí que entra o meu papel. Posso dizer que hoje imito um pouco Breton com os jovens que me procuram -faço hoje como ele fez comigo quando me conheceu, aos 18 anos. Tento iniciar as pessoas, trabalhar sua sensibilidade, como Breton, que ensinava tudo como um jogo, decodificava cada etapa do processo criativo. Eu luto para conservar o que chamo de "espírito do fogo", que é o espírito do próprio surrealismo, alimentado pela chama criativa, pela chama do amor. O surrealismo continua a surpreendê-lo? Uma vez, Breton pediu que eu desse uma entrevista, em seu lugar. Respondendo a uma pergunta do jornalista, eu disse que o movimento surrealista dominaria o século 20. Mas nunca imaginei que seria, também, um movimento do século 21. Foi viver para crer. Texto Anterior: + livros: O demônio da extravagância Próximo Texto: Ponto de fuga: Móvel e imóvel Índice |
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