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Livros
Sob as asas da revolução
Poeta fundamental do século 20, Maiakóvski é tema de biografia
AURORA F. BERNARDINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com os progressos da
"transparência", que
desde o início acompanhou a perestroika, tem sido possível
na Rússia o acesso não apenas
aos arquivos estatais mas igualmente a uma série de documentos particulares, de correspondências, de notas, que muito esclarecem aspectos de biografias até hoje incompletas ou
mal interpretadas.
É o caso desta alentada
"Maiakóvski - O Poeta da Revolução", que acompanha a vida
do famoso poeta georgiano
desde sua infância mágica e sua
juventude rebelde, sob "os céus
de Bagdádi", até a atual esperada revisitação de sua obra
-que, depois de um estrondoso sucesso de crítica e de público até a morte de Lênin, havia
"misteriosamente" desaparecido da lista da bibliografia escolar na época de Stálin, juntamente com a obliteração de
seus últimos trabalhos, em particular da peça "Os Banhos".
Com o suicídio de Maiakóvski, uma vez esconjuradas a sátira que ele insistia em fazer da
burocracia já invasiva do período e sua descrença na justiça
social, estátuas dele foram erigidas na União Soviética inteira, "impingindo-o compulsoriamente, como a batata na
época de Catarina" -dirá Pasternak-, e transformando-o
em símbolo da revolução
-que, na opinião do próprio
poeta, há tempo havia deixado
de existir.
Tirante os momentos de interpretação literária datada (o
autor deixa entrever que a produção poética válida do poeta é
a lírica, e não a "verbivocovisual" na qual ele tanto se sobressaiu, compondo, além de
peças e roteiros, mais de 600
slogans para cartazes e anúncios que ele mesmo confeccionava) e tirante também alguns
deslizes da revisão (que deixou
escapar os acentos dos nomes
russos, que muitas vezes receberam transliterações diferentes, bem como o encadeamento
dos tempos verbais), as informações fornecidas pelo autor,
vindas de fontes seguras, contribuem para a melhor compreensão de figuras e momentos da vanguarda russa pré e
pós-revolução.
É o caso de cubo-futurismo,
a "LEF", a REF, o Comfut e outras siglas que marcaram atividades e entidades do período
socialista nas quais Maiakóvski
foi a força motriz.
Entre as personalidades retratadas, salientam-se os companheiros futuristas Khlébnikov, Krutchónikh, Burliuk, Kamiénski, mas também Blok,
Essiénin, Akhmátova, Pasternak, Marina Tsvetáieva, Górki,
Mandelstam, Sologub, Meyerhold, Stanislávski, Rodchenko,
Eisenstein (Maiakóvski foi ator
de cinema de sucesso), os críticos Chklóvski, Tyniánov, Eikhenbaum e Jakobson, os pintores Lariónov, Gontcharova e
Riépin -antigo mestre de
Maiakóvski-pintor-, os musicistas Matiúchin e Chostakovitch etc. e as mulheres amadas
pelo poeta.
Mikháilov as focaliza de perto aqui, num tom entre o folhetinesco e o naïf: "Não é fácil
compreender os sentimentos
de T.A. Iakovleva, se era amor,
se era uma atração forte...".
Enquanto se mostra duro e percuciente em relação ao conhecido triângulo Lília-Maiakóvski e o conivente Óssip Brik, "que deixou passar outros casos de amor de Lília Iurievna, mesmo depois de casada
com Primakov (já após a morte de Maiakóvski)".
Casal turbulento
O casal Brik, diante de certas
descobertas, passa a adquirir
contornos sombrios. Não apenas Lília se teria beneficiado financeiramente do sucesso e
dos direitos autorais de Maiakóvski (apartamentos, carros,
porcentagens), mas teria sido
diretamente responsável
-pois ligada à NKVD por meio
de certo I. Agránov, alto funcionário do Departamento de Iágoda e futuro homem de confiança de Stálin, que freqüentava as "terças-feiras" do círculo
da "LEF" por ela regidas-, pela
não concessão de passaporte e
pela proibição de Maiakóvski
viajar ao estrangeiro.
Esse fato foi fundamental em
sua vida e teria marcado o início do processo de depressão do
poeta.
Por interessar a Lília "mantê-lo sob suas asas", mesmo
quando findo seu relacionamento conjugal, ela teria se valido dos meios mais escusos para desfazer qualquer outro laço sentimental de Maiakóvski considerado ameaçador, inclusive com Elli Jones, a mãe de
sua filha, que o poeta manteve
sempre secreto, provavelmente desconfiando das intrigas de
Lília.
Não há dúvida, porém, diante
da mensagem que o poeta deixou ao morrer, que Lília Brik
ocupou sempre, edipianamente ou menos, um lugar decisivo
na vida do poeta.
AURORA F. BERNARDINI leciona teoria literária e literatura comparada na USP.
MAIAKÓVSKI
- O POETA DA REVOLUÇÃO
Autor: Aleksandr Mikháilov
Tradução: Zoia Prestes
Editora: Record
(tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 68 (560 págs.)
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