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Manhattan SEM GELO
HÁ DEZ ANOS À FRENTE DA MÍTICA "NEW YORKER", DAVID REMNICK EXPLICA COMO TIROU A REVISTA DO VERMELHO E AUMENTOU O NÚMERO DE LEITORES JOVENS
TREVOR BUTTERWORTH
Não podemos viver
sem o presunto de
ganso", diz David
Remnick, com a
avidez de um gourmand desnutrido. Tem 1,82 m,
está se aproximando dos 50
anos e é magro para um jornalista conhecido como comilão.
Ele sugeriu que nos encontrássemos no Esca, um restaurante italiano no centro de Manhattan, cujo nome significa
"isca" e cuja estatura, ao que
parece, não é apenas por causa
da comida. Seu chef obcecado
por peixes, David Pasternack,
foi o tema de um perfil em
2005 na revista "The New Yorker", em que Remnick acaba de
comemorar seu décimo aniversário como editor.
Ele tem muito a celebrar depois de dez anos: a circulação
da "New Yorker" aumentou
32%, para mais de 1 milhão de
exemplares por semana; os índices de renovação de assinaturas, de 85%, são os mais altos
do setor; e, apesar do senso comum de que os leitores jovens
não têm concentração para fazer mais que blogs e piadas, a
revista viu seu público de 18 a
24 anos crescer 24% e o de 25 a
34, 52%.
Vinte e quatro de seus 47
prêmios National Magazine foram concedidos sob a direção
de Remnick. Talvez o mais
tranqüilizador seja que o balanço da "New Yorker" passou
do vermelho para o azul -embora sua propriedade privada o
impeça de revelar os lucros.
É difícil lembrar como as coisas pareciam desesperadas
uma década atrás, quando, depois de seis anos como editora
da revista, Tina Brown saiu repentinamente para começar a
malfadada "Talk".
Se muitos em Manhattan ficaram furiosos com a vinda de
Brown, que é britânica, para reformular a revista e torná-la
mais amistosa com os anunciantes, sua partida também foi
vista como uma profecia terrível. A "Fortune" estimou que
em 1998 os prejuízos da "New
Yorker" chegavam a US$ 175
milhões [R$ 278 milhões], fazendo dela "um dos maiores
buracos de dinheiro da história
das revistas americanas".
Experiência anterior
Remnick chegou ao cargo
sem nenhuma experiência editorial. Depois de se formar
"summa cum laude" em literatura comparada na Universidade Princeton em 1981, foi trabalhar no "Washington Post",
passando do plantão policial
noturno para esportes e a sucursal do jornal em Moscou,
onde a história -"pura sorte",
como ele diz- lhe deu a oportunidade de brilhar e, afinal, ganhar um Pulitzer em 1994 por
"Lenin's Tomb" [A Tumba de
Lênin], seu livro sobre a queda
da União Soviética.
Mesmo antes do prêmio, sua
reputação já o fizera ser contratado por Brown, um dos primeiros depois que ela chegou à
revista, em 1992.
"Nunca pensei em ser editor.
Nunca fui mais feliz do que
quando estive em Moscou para
o "Washington Post" ou percorrendo o mundo para a "New
Yorker". Sinceramente, nunca
pensei nisso -e não digo no
sentido em que um Maquiavel
diria", afirma Remnick.
Realmente, ele era o melhor
candidato ao cargo. Depois de
oferecê-lo a Michael Kinsley,
então editor da revista on-line
"Slate", S.I. Newhouse Jr., dono
da Condé Nast, pensou melhor,
retirou a oferta e escolheu
Remnick. Tudo aconteceu em
poucos dias.
Em um momento Brown estava lá; no outro Kinsley pareceu estar lá; e no outro Remnick experimentava a queda livre do sucesso imprevisto, que
é melhor interpretado, segundo ele, por Robert Redford em
"O Candidato", que, depois de
uma vitória eleitoral improvável, termina o filme perguntando: "O que fazemos agora?".
Embora haja outras revistas
veneráveis nos EUA, não é certo se outra publicação tem o
mesmo poder sobre a imaginação dos americanos que a "New
Yorker".
Nascida das energias literárias do início dos anos 1920
-Dorothy Parker foi a primeira
crítica imperdível da revista- e
movida por uma espécie de veneração provinciana pela vida
em Manhattan, a revista tornou-se sinônimo de sofisticação inteligente.
Questionado sobre o que fez
para revigorá-la, Remnick diz
que não houve uma coisa, apenas uma questão de prestar
atenção às despesas, concentrar-se em aumentar a circulação real em vez de distribuir
exemplares, retirar alguns autores e acrescentar outros.
"Você encontra os jogadores
para pôr em campo", diz, citando o lendário ex-treinador dos
New York Yankees [time de
beisebol] Joe Torre: "Você os
coloca lá e os deixa fazer o que
sabem fazer melhor".
Futuro do jornalismo
Na verdade, muitos jogadores haviam sido contratados
por Tina Brown, entre os quais
nomes de primeira linha como
Malcolm Gladwell e Anthony
Lane, assim como uma equipe
editorial central que Remnick
também faz questão de citar:
Dorothy Wickenden (editora-executiva), Pam McCarthy (subeditora) e Henry Finder (diretor editorial).
Salienta que
grande parte do sucesso da revista pertence a eles.
Outro fator que contribuiu
para o sucesso da "New Yorker", explica, é que as revistas
escaparam à "crise existencial",
induzida pela internet, que
atormentou os jornais americanos. "Jantei com editores de
jornais de todas as categorias, e
as conversas às vezes pareciam
uma despedida de suicida."
Ele diz que a melhor maneira
de ler uma revista ainda é em
papel, mas, "para aqueles cuja
segunda natureza é ler on-line,
eu quero estar lá. Não quero fazer previsões idiotas sobre o
que vai ser impresso e o que
não vai ser impresso, simplesmente não sei. Mas faço questão de estar lá".
Conseqüentemente, está
"profundamente envolvido" na
criação do website da "New
Yorker" -não que ele seja facilmente convencido pelo tecnoevangelismo. Na verdade, os
blogs não lhe dizem muito como escritor -"não tenho nada
a dizer se não puder sair de casa
e seria um péssimo crítico".
E, até que sites como o Huffington Post comecem a gastar
US$ 3 milhões por ano para relatar a guerra no Iraque, diz ele,
os jornais que fazem isso continuarão sendo muito mais importantes para o futuro do país.
Como o site também abriu a
porta para um público internacional potencialmente enorme,
e a revista, sob sua supervisão,
desenvolveu um enfoque maior
nas atualidades, pergunto se foi
tentado a expandir a marca
"New Yorker" no exterior.
"Sim", diz Remnick, rápida e
enfaticamente. "A questão é até
que grau a "New Yorker" é tão
"sui generis" e americana para
conseguir se tornar um produto internacional de sucesso.
Não sei, mas é algo que quero
descobrir."
Bonomia
Sua vida fora da revista é comum: gosta de assistir à televisão e escutar jazz, ir ao cinema
com sua mulher, Esther Fein
(brincando, ele censura o crítico da revista, Anthony Lane,
por não falar mal o suficiente
do filme "Sex and the City",
apesar de Lane ter sido cáustico), e ficar com seus três filhos:
Alex, 17, Noah, 15, e Natasha, 9.
Embora os filhos possam se
divertir com a comparação, é
tentador ver Remnick como o
George Clooney do jornalismo
americano: sua afabilidade tem
a força e a polidez de uma armadura, e seus comentários
"off" são conspirativos e desarmam as pessoas.
Ele exala bonomia.
Na última Conferência New
Yorker -uma espécie de cúpula de Davos de visionários criativos, que ocorreu em maio-,
ele estava disponível para qualquer um que desejasse lhe falar
e parecia não apenas estar à
vontade, mas realmente apreciar a companhia dos jornalistas que organizaram o evento.
O temperamento alegre de
Remnick e sua capacidade instintiva de passar de líder a seguidor são provavelmente os
segredos de seu sucesso. E, como tais, são qualidades que só
podem ser refinadas, não
aprendidas.
Como observou o escritor e
humorista da revista Calvin
Trillin quando Remnick foi
anunciado como editor (com
muitos aplausos na Redação):
"Nunca me ocorreu que uma
coisa tão sensata acontecesse".
Ele usa intervalos curtos da
revista para "sair de casa" e renovar sua vocação de repórter.
"Todos temos charges de quem
somos, e a minha é que ainda
faço reportagens", diz.
Durante nossa refeição (chegamos com o restaurante vazio
e continuamos lá muito depois
de os clientes do almoço terem
saído), ele repete como é grato
e feliz por estar onde está.
Lembro a ele que, certa vez,
disse em uma entrevista que
editar a "New Yorker" não era o
emprego dos seus sonhos. "É só
porque nunca sonhei com isso", revida. "Mas o que poderia
ser melhor?"
A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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