São Paulo, domingo, 21 de julho de 2002 |
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+ livros "Remorso" faz reviver o humor amargo das narrativas do paranaense Newton Sampaio Entre o campo e a cidade
Heitor Ferraz
O tempo certamente relega muitos escritores à sombra. Ninguém mais se lembra deles, do
que escreveram. Quem por
exemplo já ouviu falar ou leu alguma coisa de Sylvio da Cunha? Há sobre ele uma
crônica, escrita por Drummond. Mas
pouco, ou quase nada, se sabe sobre esse
poeta pelo qual Drummond tinha grande admiração. No Paraná, é o caso de
Newton Sampaio.
Dalton Trevisan chegou a lhe dedicar
alguns linhas, bastante elogiosas, num
dos números da revista "Joaquim". Sampaio teve vida curta, nasceu em 1913 e
morreu em 1938. Seus livros saíram postumamente, e Mário de Andrade chegou
mesmo a fazer uma referência ao escritor
paranaense, destacando o humor e a
"dicção natural" de seus escritos.
Ao contrário de Sylvio da Cunha, fotógrafo e poeta fugidio, como dizia Drummond -e que nem se preocupava em
aparecer em público-, Sampaio teve
destino diferente e sempre se posicionou
como escritor, publicando seus contos,
crônicas e novelas em jornais de Curitiba
e até mesmo na carioca "Fon-Fon".
Uma parte desse material foi reeditada
agora no livro "Remorso", organizado
por Luís Bueno e publicado pela coleção
"Brasil Diferente", da Imprensa Oficial
do Paraná.
Sampaio é um escritor ágil e refinado,
que merecia uma reedição, porém é preciso ressaltar que não se trata de nenhuma redescoberta excepcional, de um autor que, relido à luz da atualidade, pudesse transformar alguma coisa -como foi,
por exemplo, o caso de Sousândrade,
resguardados alguns exageros de revelação. Mas a literatura não é feita só de
grandes, de autores sensacionais.
Parece que é preciso esses milhares de escritores,
mas que acabam sendo
esquecidos, para se forjar
um Dalton Trevisan, para
ficar num exemplo próximo. Ou ainda basta lembrar Drummond: não começou ele atraído pelo
penumbrismo do hoje esquecido Álvaro Moreyra?
Newton Sampaio, autor também de
"Contos do Sertão Paranaense", tinha
uma percepção objetiva e moderna da
narrativa, preocupado basicamente com
o relato direto dos acontecimentos. Sua
linguagem era, de certa forma, alinhada
ao modernismo, explorando a maneira
peculiar de falar o português no Brasil,
porém às vezes ainda se deixando levar
por algum volteio de estilo bacharelesco.
O livro reúne a novela intitulada "Remorso" e ficções esparsas ou seriadas (como "Cria de Alugada", que contém vários contos em torno de um mesmo personagem). "Remorso" relata a história de um moço de família tradicional que acaba se apaixonando pela vizinha, uma filha de imigrantes poloneses. Mas o interessante, para além dos desencontros amorosos, é o contraste entre a vida de proprietário de Fernando Soares, para quem o trabalho é quase um passatempo charmoso (estudante de medicina que se inicia na profissão, mas acaba por se tornar um mal-humorado crítico de música em jornal), e a vida da jovem Sônia, que já levava o apelido, na roda de estudantes, de "polaca" (seria ela uma precursora da "Polaquinha" de Trevisan?). Ela aprende as artes do canto e se torna famosa. Avança na profissão consequentemente, ao passo que ele é a própria imobilidade refinada e diletante dos proprietários rurais. Porém a novela perde força diante dos contos, já que cai no estereótipo e no dramalhão (mas não sem algum humor). Assim sendo, o ponto alto dessa coletânea de Newton Sampaio são os contos, arte de que ele tinha pleno domínio. Em "Simples Diálogo", de 1936, por exemplo, a forma narrativa está a serviço de uma conversa escrita quase a golpes de fala, representando uma aposta e, ao mesmo tempo, com muita perspicácia, um jogo amoroso inteligente e tensionado: "- Vai bater./ - Não bate./ - Vai, sim. / - Não vai./ - Aposto./ - Quanto quiser./ - Um cafezinho.../ - É pouco./ - Dois chopps./ - Sofro do fígado./ - Cinema?/ - Não gosto./ - Então proponha./ - Já propus quantas vezes./ - Isso que você quer é impossível" etc. Os contos de Sampaio, como se percebe da leitura de "Remorso", saltam do retrato cotidiano da vida urbana para o da vida rural, quando não trabalha com o jovem de interior que passa a viver nos subúrbios da grande cidade, como são as histórias de Damião, na bela sequência de contos que é "Cria de Alugado". Sampaio apresenta um tipo de humor bastante raro, "amargo", como notou Mário de Andrade. Pena, porém, que o escritor não tenha tido tempo de amadurecer seu estilo, morrendo aos 25 anos. O espólio literário desse autor revela uma personalidade atenta às relações brasileiras e que a soube retratar numa linguagem desataviada e extremamente viva. Heitor Ferraz é poeta, autor de "Hoje como Ontem ao Meio-Dia" (ed. 7 Letras). Remorso 216 págs., R$ 20,00 de Newton Sampaio. Luís Bueno (org.). Imprensa Oficial do Paraná (rua dos Funcionários, 1.645, CEP 80035-050, Curitiba, PR, tel. 0/xx/41/313-3220). Texto Anterior: O método do destempero Próximo Texto: Lançamentos Índice |
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