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MARCUS MAZZARI
O autor
Esses dois nomes da literatura
mundial conduzem a alturas em
que a questão da superioridade
não parece encontrar resposta
segura. Dificuldade semelhante
não se colocaria em relação a
Balzac ou Stendhal, Dostoiévski
ou Tolstói? E entre Musil, Kafka
e Thomas Mann seria possível
fundamentar quem é o maior?
Nos limites de minha
compreensão atual de ambas as
obras, ouso dizer apenas que
Guimarães Rosa, no "Grande
Sertão", levou a narrativa
brasileira a um nível
excepcional, efetivamente
incomparável. "A Hora e Vez de
Augusto Matraga" ou "A
Terceira Margem do Rio"
também não dão trégua à
admiração e ao espanto do
leitor.
No entanto, me atreveria
igualmente a dizer, sempre
dentro dos limites pessoais, que
algumas de suas
experimentações tardias com a
linguagem e os procedimentos
narrativos produziram textos
que lembram as "opere errate"
de que falava Benedetto Croce.
De Machado creio não ser
possível dizer algo semelhante;
apenas que alguns romances e
contos são mais fracos,
sobretudo se comparados com
"Dom Casmurro" ou "O Espelho"
(do qual o "Espelho" de Rosa
parece ser um reflexo pálido e
difuso).
A obra
Entre as muitas possibilidades
de ler "Grande Sertão", uma
delas evidencia a originalidade
com que Rosa inovou o antigo
motivo do pacto demoníaco ao
transplantá-lo para o espaço
fictício do seu sertão. Talvez se
possa dizer quanto a essa
inovação que Rosa foi ainda mais
longe do que Thomas Mann em
seu "Doutor Fausto", a cuja
publicação em 1947 ele reagiu,
como testemunha por exemplo
Franklin de Oliveira, com grande
entusiasmo.
Admirável é também a riqueza
de motivos, de alusões e
referências que Rosa incorporou
à sua elaboração do mito
fáustico.
E em muitas passagens do
romance creio ser possível
entrever vestígios do doutor
Fausto renascentista (em
especial a personagem da
"Tragical History" de C.
Marlowe), da tragédia de
Goethe, do próprio romance
fáustico de Mann.
Também a complexa, intrincada
relação entre história (ou
fábula) e enredo, de
extraordinária eficácia na
organização estética da
narrativa riobaldiana, faz aos
meus olhos com que "Grande
Sertão" figure ao lado dos
maiores romances do século 20.
MARCUS MAZZARI é professor de literatura
comparada na USP, autor de "Romance de Formação em Perspectiva Histórica" (ed. Ateliê).
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