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+ cultura
Um dos principais nomes brasileiros no cenário internacional, o artista carioca
relembra sua trajetória, fala dos novos projetos e defende que a arte deve seduzir
O caçador de relâmpagos
Juliana Monachesi
free-lance para a Folha
Poucos meses depois de engendrar mais um poético emblema no circuito das artes -seus picolés
de água vendidos em carrinhos padronizados à
porta dos espaços expositivos da Documenta de
Kassel (Alemanha)-, o artista carioca Cildo Meireles,
54, prepara novas exposições e define sua busca de singularidade nas artes em confortável contraposição ao
rótulo da arte conceitual, à leitura meramente política
de suas obras e à sistematização da própria produção:
"Eu gosto de artistas que você nunca sabe o que vai ver".
Com os trabalhos de Cildo Meireles, é desse modo que
tudo se passa.
Em que você está trabalhando atualmente?
Eu tenho uma exposição programada para março de
2003 no Panamá. Originalmente é um projeto cujo
foco é a cidade do Panamá, a capital, mas evidentemente eu devo trabalhar em torno da
coisa do canal mesmo, que acaba sendo o mais imediatamente associado,
mas que tem aspectos interessantes,
simbólicos.
Como é a sua rotina de trabalho?
Eu trabalho basicamente como eu
sempre trabalhei, ou seja, na verdade
você fica caçando relâmpagos.
Como é isso?
É o primeiro momento de qualquer
fato que te desperte a atenção, te emocione, te intrigue, que é indefinido, que não tem contornos, quer
dizer, volta e meia você está se deparando com essa
situação. Eu procuro sempre tomar notas que me
possibilitem depois retornar e tentar ir detalhando,
aprofundando, tentando encaminhar a coisa para
uma formalização. Eu não consigo me inserir em um
método. Agora, acho que cada peça tem uma espécie
de biografia, tem uma origem, mais ou menos o que
foi que deflagrou.
Você defende muito que sua produção possua um caráter
anti-representacional e, no entanto, algumas de suas
obras mais famosas, como o "Desvio para o Vermelho"
(1967) e o "Cruzeiro do Sul" (1969-70), têm uma alta carga simbólica. Como você concilia isso?
Eu acho que o "Cruzeiro do Sul" e o "Desvio para o
Vermelho" são bem diferentes conceitualmente. O
"Cruzeiro do Sul" tinha essa intenção inicial de ser
uma espécie de condensação de símbolos mesmo. Já
o "Desvio" eu vejo de outra maneira, não sei, eu nunca emprestei ao "Desvio" caráter simbólico, para
mim ele é muito mais uma espécie de possibilidade
poética, no início era isso. Porque, na verdade, esse
trabalho tem uma primeira parte, que é de 67, que é
exatamente o que eu chamei de "Impregnação", a
primeira sala, que ficou durante muito tempo como
anotação. No começo de 82, eu tive um convite de
uma curadora americana, do Texas, que queria fazer
uma exposição com artistas brasileiros e que pediu
que eu fizesse algo de grande escala.
Eu fui às notas, tinha essa coisa que não tinha nome e
que admitia a possibilidade de que em um dado momento no mesmo espaço por alguma razão alguém
tivesse reunido apenas objetos, por exemplo, vermelhos. Era a hipótese. Além dessa, eu tinha anotações
de 78 ou 79, uma descrevendo uma pia inclinada
com a torneira aberta e jorrando água, que era um
circuito hidráulico fechado; isso era uma coisa autônoma como nota. E tinha uma outra que era uma
garrafinha, como se tivesse tombado e, saindo dessa
garrafa, uma poça imensa de um líquido colorido
("Entorno"). E eu achei que ficaria interessante juntar essas três coisas em uma única peça porque elas
funcionavam, à medida que fui pensando as notas
juntas, uma como uma espécie de aparente explicação para a fase anterior do trabalho.
Então você tinha como primeiro dado aquele acúmulo de coisas, aquela
coleção de coleções de uma determinada cor, que, num dado seguinte,
quando você se defrontasse com a
garrafa, essa desproporcionalidade
entre continente e conteúdo podia de
uma certa maneira explicar simbolicamente o que tinha acontecido.
Você está dizendo então que, na verdade,
toda a carga política dessa obra foi um
acréscimo posterior da história?
Acho que foi uma leitura, é uma leitura. Eu mesmo
disse ao Paulo [Herkenhoff, curador] que compreendia e respeitava a interpretação dele, mas que
aquela não era a minha leitura, tanto é que, nas anotações para a garrafa, a poça era azul.
Você já afirmou que a sedução tem de estar presente
sempre na obra de arte; a que estava se referindo exatamente e como alcança isso em sua produção?
Não sei se eu alcanço, o objetivo é esse. Eu fui testemunha da situação da chamada arte conceitual no final dos anos 60 e começo dos 70: uma espécie de encaminhamento para um impasse formal, vamos dizer assim, o que é meio paradoxal, mas justamente
por uma espécie de abuso de textos, esse verbalismo
muito grande. O que acontecia é que as coisas ficaram chatíssimas, no sentido de que você entrava em
uma exposição e, se quisesse vê-la toda, iria demorar
um tempo enorme.
E eu acho que a questão da sedução passa por aí, eu
acho que um dos fascínios de uma obra de artes plásticas é ela te permitir assim uma empatia instantânea, em segundos você pode ser tomado, quer dizer,
ela tem que te sequestrar, mesmo que seja por milionésimos de segundos, ela tem que tirar o espectador
daquele lugar, daquele tempo. E essa capacidade, eu
acho que ela se funda muito também nos aspectos de
sedução, de beleza mesmo.
Como você vê este revival no Brasil, no RJ principalmente, da arte conceitual e política dos anos 60 e 70?
Acho que a história da arte é cíclica mesmo; nada
mais natural e lógico que, depois de um período, começasse a haver uma retomada. Mas eu durante
muito tempo fiquei com uma relação meio estroboscópica, sobretudo com a produção mais nova, pela
questão das viagens, você perde coisas que gostaria
de ter visto, não dá para acompanhar metodicamente. No momento eu acho que a arte brasileira é sobretudo plural, o que é maravilhoso porque uma cena hegemônica é sempre pobre. A riqueza vai vir
sempre das diferentes produções contemporâneas
coexistindo, isso é que cria uma cena forte.
E desse ponto de vista eu acho que a arte brasileira
está muito bem, já há algum tempo.
Quem são os artistas que você gosta de ver?
[Bruce] Nauman é um artista que é interessante... Eu
gosto de artistas que você nunca sabe o que vai ver.
Por exemplo, tem artistas cujo trabalho eu respeito,
tem solidez, tem qualidade, tem coerência, tem história, mas que, pô, dificilmente vão me surpreender outra vez, como o [Joseph] Kosuth, eu acho legal, mas, tudo bem... Já o Nauman, nesse sentido, é mais
surpreendente, me interessa. O Walter De Maria é
um artista de que eu gosto muitíssimo. Agora, tem
um que eu gosto muito, que eu acho o grande artista
americano vivo, que é o Chris Burden. Às vezes o trabalho dá todo errado, mas, quer dizer, tem sempre
essa coisa de tentar expandir o campo, correr esse
risco. Tem uma artista inglesa chamada Ceal Floyer,
que está na faixa dos 30 anos e faz umas coisas assim
de uma economia extrema e de muito impacto.
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