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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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[guer.ra, s.f]

ENTRE OS REALISTAS, é conhecida a tese de que a guerra é a continuação da política por outros meios, supondo-se a inevitabilidade da guerra. Apreciando a beira do abismo, muitos afirmaram, desde a Antiguidade, que a melhor maneira de garantir a paz é bem se preparar para a guerra, o que supõe o paradoxo de Exércitos muito bem treinados para nada fazer. Mas há uma outra fórmula, alternativa: a guerra seria o abandono da política, suposta como atividade pacífica, baseada no conflito reconhecido e legitimado, na pluralidade, e no diálogo contraditório. Assim, para garantir a política, seria necessário inviabilizar a guerra: desarmamento radical e dissolução das Forças Armadas. A guerra secaria por falta de munições e de guerreiros. Mas, nesse caso, Bush, Saddam e assemelhados como reagiriam ao desemprego?


Daniel Aarão Reis.


NOVA BASE DA POLÍTICA. Distribuição global e permanente de miséria e morte. Biopoder, poder sobre o vivo, vontade de domínio. Militarização do inconsciente mundial, da guerrinha de nervos à militarização das cidades, com a soberania absoluta e fusão entre as ações militares e policiais. Aqui em Copacabana, dormimos e acordamos com balas de verdade e fogos de artifício no morro do Pavão-Pavãozinho. Depois do 11 de setembro em NY ficou claro: a guerra (e o Estado policial) é a nova forma de dissuasão e neutralização de toda atividade política e social autônoma. As guerras não são mais uma exceção, foram "instaladas" e recebem "upgrades" (Iraque 2.1, Afeganistão 1.0, Palestina New). Inimigos abstratos não podem ser derrotados (terror, drogas, deuses, grupos em rede), só resta criar mundos e redes de resistência permanentes. "Contra a miséria do poder, a alegria do ser." Ano 2 da Guerra Global Permanente.

Ivana Bentes


FENÔMENO UNIVERSAL, a guerra deixou de ser pensada como natural para ser integrada ao terreno da reflexão política. Sua eclosão marca o fracasso dos homens em resolver seus conflitos segundo critérios tidos como razoáveis, justos ou racionais pelas partes envolvidas. Primariamente a guerra envolve Estados, e não indivíduos, mas pode se estender ao interior das nações sob a forma de guerra civil. Historicamente, assinala a dificuldade para a constituição de uma comunidade internacional regida por normas jurídicas estáveis, e não pelo interesse imediato e direto de seus participantes. Em sua forma defensiva, a guerra guarda mais proximidade com valores normalmente associados à vida cívica, como o patriotismo e a coragem.

Newton Bignotto


GUERRA, EM TERMOS DE HOJE, é uma invasão invisível na qual o inimigo, sem corpo ou fisionomia, cobra soldo sobre tudo o que usamos, vestimos ou comemos e a nós -escravos ubíquos- divide como despojos de batalha.
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Antigamente existia a "declarada", formalmente convencional. Depois, a "de guerrilha", imprevisível quanto a tempo, espaço e participante.

Tom Zé


(ESSA GUERRA QUE SE PREPARA.) Nem toda guerra é injusta. A guerra contra Hitler (apesar dos erros e crimes dos "aliados") foi uma guerra justa. Como as de libertação nacional. A guerra que se prepara é injusta. Saddam é um déspota terrível (guerra química contra os curdos!); ele, de posse de armamento atômico, assustador. O problema -que não é só o do Iraque- não tem solução absoluta; a solução relativa é uma luta real pela democracia e a liberdade, em todo o mundo, a começar pelo caso palestino. O governo dos EUA, de extrema direita, faz o contrário. Ele ganhará a guerra, mas devastará o mundo: haverá mais poderes ameaçadores, mais terrorismo, mais extremismo fundamentalista, dos dois lados.

Ruy Fausto


GUERRA É O QUE ESTAMOS VIVENDO desde pelo menos 11 de setembro de 2001. Como cada guerra é diferente das outras, muitos não reconhecem a atual nem entendem que tanto o Afeganistão quanto o Iraque não são guerras, só batalhas. Guerra é o que não se escolhe, mas é preciso vencer, pois, mesmo se adiada, acaba vindo. E vem pior. A presente guerra resulta do fanatismo islâmico, do nacionalismo árabe e do oportunismo daquilo que Donald Rumsfeld chamou de "velha Europa".

Nelson Ascher


NO PRÉ-CAPITALISMO, era a violência de um povo sobre o outro para obter o butim, reduzi-lo à escravidão ou submetê-lo a impostos. No período da revolução capitalista, foi a forma violenta que os Estados nacionais usaram para definir suas fronteiras, estabelecer colônias e abrir mercados. No capitalismo global (no qual as fronteiras estão definidas e os mercados abertos), é apenas uma forma de irracionalidade muito mais grave do que aquela que já havia nas duas etapas anteriores, porque nelas a guerra era parte constitutiva do sistema; hoje (desde Hitler) é a violência pura.

Luiz Carlos Bresser Pereira


ENTENDO POR "GUERRA" todo conflito em que a solução dependa da submissão de uma das partes. Qualquer competição pode se converter em uma "guerra".

Wanderley Guilherme dos Santos


O SENTIDO INEQUÍVOCO DE "GUERRA" continua sendo o que designa o estado de beligerância ou o uso da violência entre países. O convencionalismo dessa acepção se ajusta ao fato de que a guerra, nesse sentido, é objeto de convenções e regulações efetivas. E a questão de interesse é agora a de como, além das já velhas práticas de guerrilha, as novidades da singular assimetria no poder militar dos países, o terrorismo, os armamentos nucleares, químicos e biológicos e sua difusão virão eventualmente a redefinir a expressão.

Fábio Wanderley Reis


O TERMO "GUERRA" tem sido empregado para significar a luta longa e constante contra um inimigo invisível e disperso, como o terrorismo. É o inferno na Terra, a que a humanidade não renuncia e que produz cada vez menos heróis e cada vez mais vítimas civis. Recurso extremo, quando falha a diplomacia, seu conceito clássico atualizado diria que é um conflito violento entre grupos organizados ou entre países, em que o emprego de instrumentos cruéis leva à morte e à destruição pelo menos num dos lados.

João Almino


AÇÃO POLÍTICA MÁXIMA DO ANTI-HUMANISMO, forma de reorganização da dominação em qualquer período, barbárie concertada com o Direito Internacional, movimento de reorganização da economia e do poder.

Tarso Genro


SEGUNDO HERÁCLITO, o combate é pai de todas as coisas; dessa persperctiva o século 20 é heraclitiano, pois nele, a guerra se tornou o horizonte fatal do pensamento. A luta mortal e a mobilização total tornaram-se a forma corrente -alguns dizem única- da vida do Estado à qual todos devem se submeter. A guerra tornou-se objetivo e meta. Eis por que tantos estariam de acordo com Napoleão sobre uma constatação: a guerra é a forma moderna da tragédia. Impalpável, ela é o nome genérico para um vasto desastre humano. Ao descrever Waterloo, Victor Hugo sintetizou o fato e o conceito: "Quem ganhou a batalha não foi Wellington ou Blüchner, que não combateu; mas Cambronne". Ao responder ao pedido de "Bravos franceses, rendam-se!", ele resumiu a coisa: "Merda!".

Mary del Priore


A GUERRA, PELO MENOS A MODERNA, é a manobra essencial dos impérios do capital em crise de expansão. Para Conrad, olhando para o imperialismo britânico, é simplesmente "o horror". Para Copolla, olhando para Conrad e para os Estados Unidos no Vietnã, também. Para o fascista Marinetti é a "higiene do mundo". O cinismo fascista sempre sonha em embelezar o horror do qual a guerra é fonte e resultado. Fico com Goya, que viveu o horror e a sujeira das guerras napoleônicas, para quem ela é o mais terrível monstro produzido pelo sonho da razão. Hoje esse monstro mora nas Bolsas, no mercado e na Casa Branca.

Francisco Alambert


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