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Exposição no RJ apresenta produção do movimento que defendia a arte como força catalisadora de mudanças na sociedade capitalista
A urgência conceitual do Fluxus
Reprodução
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"Pintura de Vagina", performance de Shigeko Kubota, 1965 |
Alvaro Machado
especial para a Folha
O Fluxus foi um dos últimos movimentos artísticos em escala mundial. Com a datação 1962-1978, inaugurou boa parte das formas de arte
contemporânea que hoje ainda plantam interrogações nas cabeças do público. Apenas recentemente
começou a receber divulgação à altura de suas ações e
participantes. O Centro Cultural Banco do Brasil do Rio
de Janeiro hospeda, até 6 de abril, 276 trabalhos do grupo Fluxus (e alguns filmes) de 65 artistas, gente como
Joseph Beuys, Nam June Paik, Yoko Ono, Ben Vautier,
Shigeko Kubota, Jonas Mekas e, sobretudo, George Maciunas (1931-78), lituano radicado em Nova York e líder
do movimento.
As obras integram a coleção-fundação do casal de milionários Gilbert e Lila Silverman, de Detroit (EUA).
Eles se dedicam, com o pesquisador Jon Hendricks, a
documentar e preservar caixas-protótipos do Fluxus de
todo tipo, contendo "assemblages" de ninharias como palitos de fósforos, vitrines
com excrementos animais ("Excreta Fluxorum", 73, de Maciunas, no Rio) e o que
mais restou fisicamente da arte desse
grupo internacional, que, em lugar de
objetos, preferiu ação e conceito.
Um portentoso volume bilíngue de 272
págs., com fotos, textos históricos e análises do filósofo Arthur C. Danto, entre
outros, está sendo lançado na mostra carioca (ed. CCBB, R$ 70). Leia a seguir entrevista com o
curador e editor Hendricks.
Qual foi a ruptura mais importante apresentada por Maciunas e pelos artistas do Fluxus?
O Manifesto Fluxus, de 63, deixa bem claro: o movimento tratou a arte mais como uma idéia, um processo, uma conexão político-social, uma urgência de
mudanças sociais na sociedade capitalista. Trabalhou a idéia de coletivismo. Para eles, "concreto"
queria dizer "realidade", e não arte concreta.
O Fluxus antecipou de algum modo a atual globalização?
O Fluxus foi um movimento global antiglobalização.
Não pretendia impor algo às pessoas no mundo inteiro, mas se situar contra a "doença burguesa".
Em vez de fazer oposição às ideologias, criticava as
estruturas existentes, tentando livrar as pessoas de
imposturas.
As obras do Fluxus ganharam nova dimensão no panorama atual?
O Fluxus pertence a um determinado período e sugeriu às pessoas de sua época estratégias e alternativas à política majoritária, como as moradias cooperativas e a ação em rede.
Não trabalhava as formas tradicionais, considerando arte certas ações políticas e sociais.
A cena artística nova-iorquina de 1962 sofreu retrocesso
em comparação com a atual ou as coisas hoje se estruturam melhor?
O início dos anos 60 foi uma época muito vibrante. É
um engano procurar a vitalidade da arte em museus,
galerias e revistas especializadas. Esses são os piores
lugares. Olhe nas esquinas das galerias, sob as pontes, pelos buracos dos tapumes; coloque seu ouvido
na linha do trem...
Quais foram as ligações ou as diferenças entre Maciunas
e o pop de Andy Warhol, seu contemporâneo em NY?
Maciunas viveu em Nova York, mas passou pelo Instituto Carnegie de Tecnologia (hoje Universidade
Carnegie Mellon), em Pittsburgh, onde também esteve Warhol, que aliás nasceu nessa cidade. Eles tinham quase a mesma idade. Maciunas fez o design
de um número especial da "Film Culture Magazine",
de Warhol. Existe uma controvérsia sobre o filme
"Empire State", de Warhol: o conceito foi creditado
por Maciunas a Jackson MacLow,
pois o roteiro foi publicado num jornal do Fluxus de 1963, antes da filmagem. Outra ligação entre os dois foi o
cantor John Cale, que fez um dos primeiros concertos do Fluxus, em Londres, 63, e depois integrou o Velvet
Underground.
Num sentido mais amplo, creio que a
arte pop de Warhol incluía uma "comoditização" (de "commodity", bem
de consumo) da arte, enquanto Maciunas era contra
a "comoditização".
Quais os novos meios e suportes introduzidos pelo grupo
Fluxus?
A performance, o "happening", a arte conceitual, arte política, arte postal, ação musical, alguns aspectos
da arte pela internet, o livro de artista e a videoarte.
É verdade que Maciunas apresentou Yoko Ono a John
Lennon? Qual a relação dele com a artista?
Ele não apresentou Yoko a John, isso é folclore. Em
1960/61, Maciunas foi uma das poucas pessoas a reconhecer Yoko Ono como artista e apoiou seu trabalho. Yoko imprimiu profunda influência em conceitos da ação do Fluxus, como a participação do espectador e a licença para outros executarem seus trabalhos. Em certa medida, também no conceito por trás
das moradias cooperativas do Fluxus e no uso de saguões institucionais para ações radicais.
É verdade que Maciunas morreu em consequência de
uma surra que tomou por causa de dívida contraída para
a construção de sua última casa-instalação?
Maciunas era doente desde a infância. Usava cortisona, tinha asma. Ele morreu em maio de 78, de câncer
pancreático. Um ano antes foi severamente golpeado por capangas de um empreiteiro, que reclamava
dinheiro. Maciunas recusava-se a pagar até que o
trabalho fosse refeito de forma adequada.
Qual é o débito do Fluxus em relação aos movimentos
surrealista e dadá?
A relação com o surrealismo é tênue, mas é forte
com o dadá, com o futurismo e o construtivismo
russos e com LEF e Novilef (grupos russos de vanguarda do início do século 20).
Joseph Beuys, Nam June Paik e John Cage podem ser chamados "artistas Fluxus" ou eram apenas simpatizantes?
Cage teve forte influência no Fluxus, que tocava seus
concertos para fita gravada nas primeiras performances. Paik foi um dos mais importantes membros
do Fluxus por muitos anos. Beuys hospedou o grupo
Fluxus para um concerto na Academia de Arte de
Düsseldorf, em 63. Ele se apropriou da palavra Fluxus para descrever suas próprias atividades, mas na
maior parte do tempo não tinha contato com Maciunas ou com o coletivo Fluxus.
Alvaro Machado é jornalista e organizador de "Aleksandr Sokúrov"
(ed. Cosac & Naify) e de "Mestres-Artesãos" (ed. Sesc-SP).
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