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+ sociedade
Protestos contra a guerra deixam de lado as conquistas dos movimentos
antiglobalização, muito mais avançados em termos teóricos e práticos
O VELHO JOGO DOS EUA CONTRA A EUROPA
por Michael Hardt
Há um novo antieuropeísmo em Washington.
Os EUA, é claro, possuem uma longa tradição
de conflito ideológico com a Europa. O antigo
antieuropeísmo geralmente protestava contra
o poder avassalador dos Estados europeus, sua arrogância e seus esforços imperialistas. Hoje, entretanto, a
relação se inverteu. O novo antieuropeísmo é baseado
na posição de poder dos EUA e protesta contra os Estados europeus que se recusam a ceder a esse poder e seus
projetos.
O problema mais imediato para Washington é a falta
de apoio europeu para os planos norte-americanos de
guerra no Iraque. E a estratégia primordial de Washington nas últimas semanas tem sido dividir e conquistar.
De um lado, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld,
com sua característica condescendência audaz, chama
as nações européias que questionam o projeto norte-americano, primariamente França e Alemanha, de "velha Europa", desconsiderando-as. Por outro lado, a recente carta de apoio pelos esforços de guerra dos EUA
ao "Wall Street Journal", assinada por
Blair, Berlusconi e Aznar, posa como o
outro lado da questão.
Em uma estrutura mais ampla, todo o
projeto de unilateralismo dos Estados
Unidos, que se estende para bem além
dessa guerra com o Iraque que se aproxima, é em si mesmo necessariamente antieuropeu. Os unilateralistas em Washington se sentem ameaçados pela idéia
de que a Europa ou qualquer outro agregado de Estados possa competir com o
seu poder em termos iguais (o valor ascendente do euro em relação ao dólar
contribui, é claro, para a percepção de
dois blocos de poder potencialmente
iguais e competitivos).
Bush, Rumsfeld e sua laia não aceitarão
a possibilidade de um mundo bipolar.
Eles a deixaram para trás com a Guerra
Fria. Toda ameaça à ordem unipolar deve ser rejeitada ou destruída. O novo antieuropeísmo de Washington é, na verdade, uma expressão de seu projeto unilateralista.
Antiamericanismo
Correspondendo em parte ao novo antieuropeísmo
norte-americano, há hoje na Europa e
por todo o mundo um crescente antiamericanismo (ou, mais especificamente,
um antiEUAísmo). Em particular, os
protestos coordenados contra a guerra
no dia 15 de fevereiro foram movidos por
diversos tipos de antiamericanismo -e
isso é inevitável. O governo dos EUA não
deixou dúvida de que é o autor dessa
guerra e, portanto, o protesto contra a guerra deve inevitavelmente ser também um protesto contra os EUA.
Este antiamericanismo, embora certamente justificável, é, no entanto, uma armadilha. O problema não é
apenas o fato de que ele tende a criar uma visão excessivamente unificada e homogênea dos Estados Unidos,
obscurecendo as largas margens de dissenso na nação.
O verdadeiro problema é que, espelhando o novo antieuropeísmo dos EUA, ele tende a reforçar a noção de
que nossas alternativas políticas se assentam sobre as
maiores nações e blocos de poder. Ele contribui para a
impressão, por exemplo, de que os líderes da Europa representam nossa via política primordial -a alternativa
moral, multilateralista, aos americanos unilateralistas e
belicosos. Esse antiamericanismo dos movimentos
contrários à guerra tende a fechar os horizontes de nossa imaginação política e a nos limitar a uma visão bipolar (ou pior, nacionalista) do mundo.
Forças plurais e complexas
Os movimentos de
protesto contra a globalização foram muito superiores
aos que protestam contra a guerra, nesse aspecto. Eles
não apenas reconheceram a complexa e plural natureza
das forças que dominam a globalização capitalista hoje
-os Estados-nação dominantes, certamente, bem como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), as principais corporações e assim por diante-, mas também imaginaram uma globalização alternativa, democrática, que consiste em
trocas plurais através de fronteiras nacionais e regionais baseadas em igualdade e liberdade.
Uma das grandes conquistas dos movimentos de protesto contra a globalização, em outras palavras, foi acabar com
esse modo de pensar a política como
uma competição entre nações ou blocos
de nações. O internacionalismo foi reinventado como uma política de conexões
em uma rede global com uma visão global de possíveis futuros. Nesse contexto,
antieuropeísmo e antiamericanismo não
fazem mais sentido.
É um azar, mas é inevitável que muitas
das energias que estiveram ativas nos
protestos contra a globalização estejam
agora, ao menos temporariamente, redirecionadas contra a guerra. Nós precisamos nos opor a essa guerra, mas devemos também olhar além dela e evitar sermos tragados pela armadilha de sua estreita lógica política. Enquanto nos opusermos à guerra devemos também manter a expansiva visão política e os horizontes abertos que os movimentos contra a globalização conquistaram. Nós podemos deixar para Bush, Chirac, Blair e
Schroeder o velho jogo de antieuropeísmo e antiamericanismo.
Michael Hardt é professor de filosofia na Universidade Duke (EUA) e co-autor, com Antonio Negri,
de "Império" (editora Record).
Tradução de Victor Aiello Tsu.
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